24 Apr 2024

Publicado em TITO COSTA
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Luís da Câmara Cascudo, analisando em livro a alma brasileira e as crenças populares (cf. Religião do Povo, Ed. Global – SP/2011), dedica um capítulo ao costume brasileiro de “Tomar Bênção”. Claro que nos tempos de hoje, a expressão soa como algo inexistente, longe da sabedoria, da crença, e do respeito popular. Exceção na cultura caipira e na nordestina onde ainda se cultiva o hábito de gente simples de “tomar a bênção”, ou pedir a bênção ao padre, aos pais e padrinhos. Eu sou do tempo em que filhos pediam a bênção dos pais, quando se encontravam, se despediam, especialmente na hora de recolhimento para dormir. Meu irmão caçula exagerava: bença pai, bença mãe, repetidas vezes, aguardando sempre a resposta “Deus te abençoe”.

Para Câmara Cascudo não se tratava apenas de um ato privativo de submissão escrava, “mas uma tradição imemorial e comovente, derramada pelos portugueses em todos os lares do Brasil. A dádiva da bênção em nome de Deus - continua Cascudo - estabelecia um liame de solidarismo familiar e sagrado estabelecendo voto de felicidade. Respeito. Proteção. Confiança. Bene dicere, bem dizer. Casas novas, Engenhos de Açúcar. Estabelecimentos comerciais. Lugares mal-assombrados. Exorcismos. Os negros velhos, cativos ou alforriados, abençoavam os netos brancos do antigo senhor. As mães pretas eram indispensáveis no gesto propicial”.

Mas esse autor registra que “seus filhos já não lhe pedem a bênção e os netos ignoram o gesto breve e lindo”. Um cunhado meu, vendo-me beijar a mão de meu pai, comoveu-se e comentou comigo, admirado pelo gesto respeitoso.

No entanto, são outros os nossos tempos. Certa vez, ainda prefeito, fui convidado para a inauguração de importante agência bancária em São Bernardo. Compareceu para a cerimônia um padreco absolutamente indiferente ao ato que iria praticar: calça jeans, camisa aberta ao peito, uma estola curta envolvendo o pescoço, uma reza muito sem graça e por fim a aspersão da água benta, em gesto verdadeiramente automático, mecânico. Comentei com alguém ao meu lado: melhor que não tivesse vindo para assim comportar-se, inteiramente distante do ato que praticara. Falta de um mínimo de compostura e de respeito. Assim, e também por isso, a Igreja Católica vem perdendo adeptos e fiéis que migram para outros credos.

Voltando ao Câmara Cascudo. Diz ele: “No meu tempo de menino pedia-se a bênção matinal e noturna aos pais, avós e padrinhos.

- “Aquilo é tão ruim que o pai negou-lhe a bênção”, dizia-se.

Poderia existir manifestação mais expressiva do desencanto paterno ante a rebeldia filial?

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