20 Apr 2024

Publicado em TITO COSTA
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TITO COSTA


Numa fazenda no Paraná a filha do caseiro, menina de 10 anos de idade, surpreende a dona da casa com esta pergunta: - o mar tem raiz ?  Estranhando, a dona retorna: - afinal, que pergunta é essa, o mar não tem raiz, talvez lá no seu fundão pode haver raízes de plantas aquáticas, mas a gente não as vê.  Volta a menina: - é que meu pai vive falando que é preciso cortar o mar pela raiz, por isso eu perguntei.

O mar, no caso, é o mal que se há de cortar pela raiz, como no dito popular. Esse fato, verdadeiro, veio-me à lembrança em conversas recentes com amigos, a propósito de matéria jornalística sobre estudos na Universidade de São Paulo a respeito do sotaque caipira. Quando se puxa o “erre” ao falar palavras como “porta” lembram esses estudos que a origem dessa pronúncia remonta a um falar na capital de São Paulo, propagado para o interior do estado e do país pelos bandeirantes. Pesquisas nesse sentido revelam também que expressões usadas por Adoniran Barbosa em suas músicas como “frechada” em lugar de flexada no samba “Tiro ao Álvaro” (tiro ao alvo) não se deve aos italianos que imigraram para a cidade: em São Paulo se falava assim muito antes da chegada deles. A professora Rosicleide Rodrigues Garcia da USP defende o caipira ao dizer que “muitos pensam que ele é ignorante, mas a comunidade onde vive fala assim há 400 anos, então não há nada de errado”. Lembra ela que dizer “pranta” em vez de “planta” “era o correto para os portugueses que colonizaram o Brasil, assim como para os bandeirantes e caboclos que povoaram o interior”. Em Piracicaba esse modo de falar é peculiar e seus moradores se orgulham disso. “A gente fala igual americano”, brinca o prof. Laudir Sartori, dizendo ainda que “aqui a gente fala deferente”. Há até mesmo um “Dicionário do Dialeto Caipiracicabano” como lembra a jornalista Tatiana Fávaro em matéria divulgada pelo jornal O Estadão (21/11/2010) de onde tiramos inspiração para esta crônica. Afinal, estamos diante de um “caipirês” que não teria nada de errado ao falar-se “dificurdade”, “fror” em lugar de “flor”, material objeto do Projeto Caipira dedicado a estudos lingüísticos que ajudam a derrubar preconceitos, no dizer da profª  Rosicleide. E as pesquisas continuam nesse sentido em cidades como Itu, Tietê, Porto Feliz e outras da rota dos bandeirantes, onde o falar arrastado é comum. O tal “erre” à moda americana pode parecer estranho, inspirando até zombaria, gozação, mas é um dado cultural que deve merecer nosso respeito.

Tito Costa é advogado, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex- deputado federal constituinte de 1988. E-mail: O endereço de e-mail address está sendo protegido de spambots. Você precisa ativar o JavaScript enabled para vê-lo.

Última modificação em Sexta, 21 Janeiro 2011 19:05
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