25 Apr 2024

Publicado em TITO COSTA
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Hoje é dia de choro. Que me acompanhem os pacientes leitores, por certo concordando com as lembranças dos meus (e dos seus) ausentes queridos. Quem não os tem?  E por que hão de demorar tanto suas ausências?  Meu pai é um ausente tão demorado para mim que o vejo sempre em sonhos, irreal, etéreo, longe, sempre longe. Na meninice eu o via com reservas atazanando a vida de minha mãe com as traições comuns em tantos matrimônios. Até nos casais antigos, ou talvez mais ainda nos antigos, apesar de sempre tentarem “salvar as aparências”. Minha mãe sofria,  por ela e por ele, coitado, vítima de suas urgências incontroláveis.
 A mãe, outra ausente demorada, para a infinita tristeza da gente.  Carinhosa, novidade! Todas as mães são carinhosas. Mas há as mais e as menos carinhosas, cada uma a seu modo. Às vezes o excesso de carinho até atrapalha, como diz o poeta Mário de Andrade. Mas a ausência dela segue demorada com a saudade demorando junto, sem tempo de acabar.
Léa, companheira saudosa, ausência cada vez mais alongada, triste, cheia de remorsos meus. Porque a deixei tantas vezes só, com minhas andanças profissionais, políticas,  ausências ainda em vida, machucando-a sempre mais. Vezes muitas  me dizia: você gosta mais da política do que de mim.  Bobagem, retrucava-lhe. Para cada pessoa há um jeito diferente de gostar. A você eu amo. Da política apenas gosto.  Ela fingia que aceitava e os dias rolavam assim meio de verdade,  meio de mentira. Deixou-nos numa noite de Natal e sua ausência se alarga ainda mais quando se aproxima essa festa. Um poeta falou que o drama da viuvez não é estar só; é ter sido dois. Acho que ele tem razão, nesse dizer.
E tem o filho André que ainda jovem partiu. Sua ausência se espicha ao longo dos dias e dos anos, com uma tristeza enorme envolvendo a gente. O vazio se alarga no quarto onde dormia com os irmãos, nas coisas que ele tocou, agora inertes, na foto que exibe alegria, a sua tão conhecida alegria de viver e de sonhar com a medicina e o teatro.
E o filho Ricardo, advogado, companheiro de trabalho, juntos sempre, sonhando, brigando e se amando – pai e filho. Levou-a a morte num janeiro já passado, e no seu túmulo escrevi os versos de Fagundes Varela, a seu filho morto: “Tu me contemplas lá do céu, quem sabe, no vulto solitário de uma estrela”.
Há outras tantas demoradas e definitivas ausências: dos irmãos, da irmã, do avô, da avó.  E a lembrança da  bênção dos pais, nem se fale: era pela manhã ao levantar, à noite ao deitar e nas despedidas,  e beijando a mão deles. Quem sabe disso neste mundo tão tristemente aloucado e digitado de hoje?
Falar de tantas outras longas e demoradas ausências pode parecer enfadonho, uma pieguice nascida  de tristeza e de saudade.  Acho que os velhos, como eu, são tristes por natureza. Saudosos de tanta gente querida que se foi, vivemos de lembranças e de lágrimas. E, muitas vezes, de desabafos como este. E tudo por culpa da Cecília Meireles, poeta triste, que me provocou ao dizer da “ausência de sua avó que tanto se demorava”.
Digo agora eu: quanto mais querida a pessoa ausente, mais demorada  sua lembrança em nossa tristeza. Tristemente demorada, e definitiva.

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