
A indústria química brasileira ocupa a quarta posição no ranking global, com um faturamento líquido de US$ 158,6 bilhões registrado em 2024. Representa 11% do PIB industrial brasileiro, sendo o terceiro maior setor da indústria de transformação do país, atrás apenas de coque, produtos derivados de petróleo e biocombustíveis, e alimentos e bebidas.
A indústria química nacional também lidera em arrecadação federal, respondendo por 13,1% dos tributos recolhidos pela indústria, o que representa cerca de R$ 30 bilhões por ano.
O setor gera cerca de dois milhões de empregos diretos e indiretos e conta com a segunda maior massa salarial da indústria, superior a R$ 33 bilhões. É um setor estratégico que provê soluções essenciais para diversas cadeias econômicas, como agricultura, saúde, transporte, construção civil, energia, entre outras, explica André Passos, presidente-executivo da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química).
“Trata-se de uma atividade de alta relevância econômica, que movimenta cadeias produtivas intensivas em tecnologia, inovação e sustentabilidade”, diz.
A indústria química nacional é líder em química de renováveis (álcool matéria-prima) e a indústria mais sustentável do mundo – emitindo de 5% a 51% menos CO2 por tonelada produzida em comparação com concorrentes internacionais, e possuindo uma matriz elétrica composta por 82,9% de fontes renováveis.
Os números são relevantes e colocam o país em posição de destaque. No entanto, o presidente da Abiquim comenta que a indústria química brasileira enfrenta um dos momentos mais difíceis de sua história com surto de importações predatórias vindas principalmente da China e dos EUA, provocando uma concorrência desleal.
Em entrevista à Folha, André Passos analisou o atual cenário do setor e possíveis soluções para fortalecer a indústria química nacional. A seguir, trechos da entrevista.
Folha do ABC – Quais são os principais desafios enfrentados pela indústria química atualmente?
André Passos – Atualmente, a indústria química brasileira enfrenta um dos momentos mais difíceis de sua história devido a impactos geopolíticos e ao surto de importações predatórias vindas principalmente da China e dos EUA – ambos que fortalecem suas indústrias com programas de apoio robustos e disputam entre si para ganhar outros mercados. Essa concorrência desleal tem levado fábricas brasileiras a operar com níveis críticos de ociosidade, atualmente em torno de 62% de sua capacidade instalada, o pior patamar dos últimos 30 anos. Não conseguimos também consolidar um marco regulatório e alianças na cadeia produtiva que assegurem o suprimento de matéria-prima, como gás natural e etano, em quantidade suficiente e preços competitivos. O custo da energia no Brasil também é um constrangimento para a competitividade, mesmo com nossa matriz energética mais sustentável.
Em resumo, é fundamental, portanto, avançar em políticas que reduzam os custos de matérias-primas e insumos renováveis, incentivem a inovação e consolidem uma política de defesa comercial mais robusta frente à atual guerra comercial entre grandes potências.
Folha Qual a participação de produtos importados na indústria química nacional? Quais consequências isto traz para o setor?
Passos – Hoje, 50% de tudo o que é consumido pela indústria química brasileira vem do exterior, o que acarreta sérias consequências para a produção nacional. Esse elevado volume de importações tem forçado a paralisação de fábricas, a antecipação de manutenções e até mesmo a hibernação de plantas industriais. Isso afeta profundamente toda a cadeia produtiva, incluindo fornecedores de serviços, matérias-primas e energia.
Um exemplo notório é o fechamento da única planta de Bisfenol no Brasil, localizada em São Paulo, e da planta de HPMC em Candeias, Bahia. Tais encerramentos não apenas aumentam a dependência externa do país, mas também resultam em: menos empregos, menor arrecadação de impostos e redução de investimentos no Brasil.
O impacto dessa dependência se estende à esfera fiscal. Em 2023, a perda de arrecadação de tributos federais do setor químico atingiu a marca de R$ 8 bilhões. Adicionalmente, essa situação agrava o déficit comercial do setor, que alcançou impressionantes US$ 49,82 bilhões em 2024. Esse cenário vai diretamente na contramão dos esforços do país para promover a reindustrialização.
Folha – O que pode ser feito para fortalecer o setor químico no Brasil e garantir sua relevância no cenário internacional?
Passos – O fortalecimento da indústria química passa pela construção de um novo modelo de política industrial. Apesar dos esforços contínuos do Governo Federal e do Congresso nos últimos dois anos para a recuperação do setor – que incluem a Lista DCC, a retomada do Regime Especial da Indústria Química (Reiq) e a criação do Reiq Investimento, para fomentar investimentos em infraestrutura, inovação tecnológica e expansão da capacidade produtiva – ainda são necessárias medidas mais estruturantes.
Isso inclui reduzir o custo das matérias-primas tradicionais, especialmente o gás natural, que pode ser viabilizada por meio de programas como o “Gás para Empregar”; viabilizar o suprimento de matérias-primas renováveis a preços competitivos (hidrogênio, biometano, etanol, nafta verde); reduzir o custo da energia e viabilizar um ambiente regulatório que estimule investimentos em inovação, descarbonização e expansão da capacidade instalada. Um excelente exemplo dessa estratégia é o Programa Especial de Sustentabilidade da Indústria Química (PRESIQ), que pode inaugurar uma nova era para a indústria química no Brasil.
Folha – E quais benefícios o Programa Especial de Sustentabilidade da indústria química – PRESIQ poderá trazer para Indústria Química Brasileira?
Passos – O PL 892/2025, que institui o Programa Especial de Sustentabilidade da Indústria Química (PRESIQ), é uma medida estruturante que pode “salvar o setor”. Ele visa alavancar o segmento por meio de estímulos fiscais inteligentes, incentivando processos de baixo carbono e a ampliação da capacidade instalada. Os benefícios estimados incluem um impacto positivo de R$ 112,1 bilhões no PIB até 2029, a geração de até 1,7 milhão de empregos diretos e indiretos, e um adicional de R$ 65,5 bilhões em tributos. O projeto também pretende reduzir em 30% as emissões de CO2 por tonelada produzida, visando a neutralidade de carbono até 2050.
O PRESIQ se estrutura em dois blocos: créditos financeiros para aquisição de insumos menos poluentes (como gás natural) e créditos de investimento de até 3% do valor aplicado para centrais petroquímicas e indústrias que ampliem a capacidade instalada, com previsão de créditos financeiros de até R$ 4 bilhões na modalidade industrial e até R$ 1 bilhão na modalidade investimento a partir de 2027.
Folha – De que forma entidades como o COFIP ABC, Consórcio Intermunicipal do ABC, Agência de Desenvolvimento Econômico ABC e as Prefeituras do ABC podem contribuir para o fortalecimento da competitivida-de da indústria química?
Passos – A atuação conjunta dessas entidades é fundamental para criar um ambiente favorável ao desenvolvimento industrial. Elas podem contribuir com políticas públicas locais, atração de investimentos, qualificação da mão de obra e fortalecimento da infraestrutura. Além disso, têm papel estratégico na articulação com o governo federal e na promoção da indústria química como prioridade regional.
A união entre setor produtivo, poder público e sociedade civil é o único caminho possível para superar os desafios atuais e consolidar uma indústria química forte, inovadora e sustentável no Brasil.
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