Ignácio de Loyola Brandão, biacadêmico – imortal das Academias Paulista e Brasileira de Letras – previu, na década de setenta, que um dia os paulistanos não conseguiriam sair com seus carros de suas garagens. Teriam de caminhar sobre milhares de automóveis enferrujados, tamanha a proliferação desse veículo que é o mais egoísta do planeta.
Essa profecia não está longe de se concretizar. Noticia-se a média de quinze mil licenciamentos diários para veículos leves. E os congestionamentos, segundo o cientista e médico Paulo Saldiva, prolongam a exposição à poluição, afetam o sono e reforçam a urgência por transporte coletivo sustentável e cidades mais equilibradas.
Em recente fala na Rádio USP, ele diz que o trânsito caótico rouba o único insumo que não se pode repor: o tempo. Mas o subtrai não só do trabalho, do sono, do descanso e do lazer. Isso altera o humor e a saúde mental das pessoas. E acrescenta: “pois concordemos que dirigir em uma grande cidade está longe de ser uma experiência de elevação espiritual. Mais ainda, a opção por transporte individual prioritária tem feito com que inalemos mais poluentes. Graças a esforços e dos agentes reguladores da melhoria da qualidade veicular, as concentrações de poluição caíram na nossa cidade; no entanto, o mesmo não acontece com a dose de poluentes que inalamos. Não caiu na mesma extensão […] nós passamos para um nível muito mais baixo de poluição, mas o tempo que passamos no trânsito é muito maior”.
Para o patologista que é especialista em “ondas de calor”, não é incomum que percamos mais de uma ou duas horas por dia “inalando de forma inexorável os poluentes que nos circundam, emitidos por aqueles pequenos tubos que são as novas chaminés. São as grandes avenidas e o tráfego denso que produzem gases e partículas produzidas não só pela combustão, como também pela suspensão do solo. Não é senão por isso que a gente observa nas pessoas falecidas na cidade de São Paulo, no serviço de verificação de óbitos da capital, a impressão digital da cidade sob a forma de pequenas cicatrizes, pequenas tatuagens negras nos nossos pulmões, mesmo que não fumantes. Essa é uma situação também que afeta a qualidade e a dignificação da cidadania”.
As vítimas preferenciais desse drama são os mais carentes. Moram longe. Perdem precioso tempo que poderiam usufruir em descanso ou estudando e também inalam mais poluentes pelo tempo maior que perdem nos seus deslocamentos. “Esse é um chamamento para que a gente invista em sustentabilidade e redução das emissões.”
Isso acontece em todas as grandes cidades de São Paulo e do Brasil. Por isso, deve servir de modelo a inspiração do Prefeito Ricardo Nunes, que insiste na eletrificação dos ônibus paulistanos, para que haja preferência da população por transporte coletivo. Além disso, investe-se na utilização do biometano, o gás natural não fóssil que provém dos resíduos orgânicos e da vinhaça do setor sucroalcooleiro.
Também deve ser estimulado o ciclismo, o caminhar a pé, a opção por “um dia sem carro”, pois o que está em jogo é a qualidade de vida, a saúde humana e a constatada perda de longevidade daqueles submetidos à crescente poluição dos grandes centros.
O Poder Público está fazendo sua parte. Mas depende da colaboração da cidadania, porque sem a firme adesão de todos, a melhor política pública deixa de produzir os efeitos esperados e desejados.














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