Eu era ainda jovem, em 1944, quando vi por três vezes, no Teatro Municipal de São Paulo, a peça teatral “Vestido de Noiva” de Nelson Rodrigues. Fascinante! Autor consagrado: jornalista, escritor, polemista, foi combatido por uns, os da esquerda, principalmente, como reacionário, porque nunca se dobrou aos fanáticos esquerdistas. A direção dessa versão monumental de Rodrigues, no palco, coube ao Ziembinski, um polonês radicado no Brasil, talvez o mais expressivo diretor teatral que tenha vivido entre nós. Outras versões dessa peça, por outros diretores e outras montagens cênicas, que também vi, mas nenhuma podia comparar-se à daquele seu genial e primeiro encenador.
Tantas outras obras de Rodrigues para o teatro, umas meio malucas (Álbum de família, por exemplo), outras nem tanto, foram encenadas sob outras direções, sempre com louvores e criticas nos jornais e nas TVs. Nenhuma versão igual à de Ziembinski. Afinal, nenhum autor no mundo, romancistas, teatrólogos, historiadores, em todos os tempos conseguiu unanimidade de críticos ou de leitores, até porque, segundo o próprio Rodrigues, toda unanimidade é burra.
O livro a que me refiro traz excertos da obra rodriguiana, coligidos por sua filha Sonia, despertando sempre apreciações polêmicas o que por si só, é o reconhecimento de seus escritos permanentes, às vezes proféticos e malucos. Ele mesmo confessa: “Na minha infância profunda o pacto de morte estava em seu esplendor e três casos me marcaram profundamente, me tornaram fascinado pelo suicídio”. Outra: Eu recomendo aos jovens: “envelheçam depressa, deixem de ser jovens o mais depressa possível”. Entenda quem quiser, pois é grave demonstração de maluquice, ou de desencanto com a vida. Ele mesmo confessa ser um escritor mórbido ao ponto de considerar o ser humano um caso perdido. Para tanto teria lá suas razões.
Um filho dele, Nelsinho, tido como subversivo, foi preso e torturado. Tentando libertá-lo foi ao presidente Médici (um dos piores dos governos militares) a fim de pedir fosse ele livrado. Sabedor disso, o Nelsinho disse que aceitava se outros seus companheiros fossem também liberados. Não conseguiu, nem o pai com os contatos que tinha no governo e fora dele. Tido como reacionário, bradou: “Não sou reacionário porque sou pela liberdade. O não reacionário é o comunista que não tem liberdade nem para fazer greve”. A paixão política, dizia, era cretinizante. “É a única paixão sem grandeza, a única capaz de imbecilizar o homem”. Isso e muito mais foi Nelson Rodrigues, admirado, louvado e satinizado. Como são os gênios.