Deu no jornal: um cidadão furtou cinco galinhas e dois sacos de ração. Foi processado e condenado pela justiça. Pena: 4 anos de cadeia e multa. No inicio do processo um juiz recebeu a denúncia oferecida pelo promotor. Depois de ter sido interrogado por outro juiz, este mais compreensivo rejeitou a denúncia com base no princípio da insignificância.
O promotor recorreu dessa decisão sábia, humana e objetiva e o processo criminal prosseguiu contra aquele cidadão simples que já havia devolvido o “produto” furtado. Daí por diante nenhum argumento da sua defesa conseguiu sensibilizar juizes e ministros que examinaram o processo. E o STJ (Superior Tribunal de Justiça) em Brasília, que tem muitos casos importantes a decidir e não decide, considerou que a conduta do “perigoso delinqüente” não poderia ser considerada irrelevante para o direito penal, mantendo a condenação. E por isso o caso foi bater às portas do Supremo Tribunal que tem, por função constitucional, examinar apenas a constitucionalidade das questões que lhe são entregues.
Deixemos de lado o ridículo de tudo isso, mesmo porque o Supremo Tribunal Federal é a instância maior e definitiva da justiça brasileira e não deveria ter de ocupar-se com tão prosaicas situações. Mas, no caso julgou-o acertadamente, tendo como relator o cuidadoso e racional Ministro Ayres Brito entendendo que a conduta do denunciado nada tinha de delituosa e que era evidente a insignificância do produto furtado e devolvido, razões pelas quais foi o réu absolvido pela nossa mais alta Corte de Justiça. Registre-se que o caso começou em 2002 e só agora terminou, fazendo com que o pobre homem suportasse terrível calvário, por longos oito anos, sofrendo na sua simplicidade as angústias que juizes e promotores não tiveram sensibilidade e racionalidade para detectar. Verdadeiros robots travestidos de julgadores, presos à letra da lei, não ao seu espírito.
Por falta de espaço deixo de falar de um conto de Monteiro Lobato “Júri na roça” em que ele ridiculariza a justiça por situação como a aqui referida que deveria remeter ao psiquiatra juizes, ministros e promotores que atuaram no caso. Nesse conto nosso imortal Lobato lembra pessoas com extrema penúria de emoções “que ardem inteirinhas sem o tremelique duma comoção forte”. Para eventuais interessados, o conto está no livro “Cidades Mortas”, da Ed. Brasiliense-SP, 1951, pág. 79.
Tito Costa é advogado, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex- deputado federal constituinte de 1988. E-mail: antoniotitocosta@uol.com.br