Fabio Picarelli Opinião

A lição da greve dos caminhoneiros

O quarto dia da greve dos caminhoneiros e a sensação de que o país está à beira do colapso são uma lição para todos os brasileiros. Não há dúvidas de que estamos diante de uma situação social grave, com risco de desabastecimento de bens essenciais, até mesmo de oxigênio nos hospitais. Não se nega o aumento dos preços dos combustíveis, puxados pela cotação internacional, nem as complicações que a atual política de preços da Petrobras pode trazer para o frete de um mercado fortemente onerado como o do transporte rodoviário. Conforme o impasse se arrasta e as consequências sociais vão ficando mais graves, começa a prevalecer a sensação de que um acordo deve ser alcançado a qualquer custo, mas isso não torna menos verdade que uma revisão da política de preços da Petrobras ou uma redução de impostos no atropelo, em meio à crise fiscal, são soluções ruins para o país no longo prazo. Os impactos da paralisação foram sentidos em todo o país, houve redução nas frotas de ônibus em várias cidades, inclusive em capitais; cidades decretaram calamidade pública; faltam combustíveis, houve filas nos postos, valores abusivos de até R$ 10 por litro chegaram a ser cobrados, e  donos de postos foram presos. A ANP flexibilizou regras para garantir o abastecimento. Há relatos de  falta de produtos em supermercados, principalmente hortifrutigranjeiros; hospitais suspenderam procedimentos por conta de falta de medicamentos; em diversos segmentos,  fábricas pararam suas produções: 19 montadoras de automóveis estão sem atividades e o setor para nesta sexta. Produtores descartaram leite e falam que já houve necessidade de  sacrificar pintinhos por falta de ração. A maioria dos aeroportos funciona normalmente, mas já há  registros de cancelamentos de vôos. Em dia de queda na Bovespa, a Petrobrás perdeu R$ 45 bilhões em valor de mercado.
O cenário é bastante complexo. A política de reajustes quase diários da Petrobras, seguindo o mercado internacional, foi uma escolha que se revelou acertada para recuperar o caixa e a credibilidade da empresa, destruídos pela irresponsabilidade da herança lulopetista. O presidente da empresa, Pedro Parente, primeiro defendeu a política com unhas e dentes, mas ontem anunciou que reajustaria o preço na refinaria por 15 dias. Pode ter sido uma escolha estratégica diante de uma crise que escalou rapidamente, mas há custos para a credibilidade da empresa que já se sentem nas ações da companhia.
As reações da classe política também surpreendem. O movimento dos caminhoneiros é forte, parece contar com a simpatia da população, o governo federal está enfraquecido, sem nenhum capital político e cercado pelo clima de fim de feira. Em ano eleitoral, isso convidou o Legislativo às velhas soluções populistas, fiscalmente irresponsáveis e focadas no curto prazo. Se a proposta de zerar a Contribuição da Intervenção no Domínio Econômico (Cide) em meio à crise fiscal já era preocupante, a solução do Congresso Nacional de zerar o Pis/Cofins é ainda mais alarmante. Por mais que a Câmara tenha aprovado ontem o projeto de reoneração da folha de pagamento de 28 setores – que ainda depende de uma aprovação incerta pelo Senado –, Executivo e Legislativo se contradizem sobre o impacto da medida nas contas públicas, aumentando a pressão sobre uma perspectiva já assustadora de déficit público de R$ 159 bilhões para este ano. É surpreendente, ainda, lembrar que a falta de disposição do Congresso em aprovar medidas impopulares esteve na origem da decisão do ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles de aumentar o Pis/Cofins.
Nesta quinta-feira (24) o ministro da Fazenda, Eduardo Guardiã informou que o preço definido para o diesel pela Petrobras na quarta será mantido por 30 dias. A estatal anunciou redução de 10%, sem reajuste por 15 dias. O preço ficará fixo nesse patamar que foi definido pela Petrobras por 30 dias. A Petrobras está oferecendo os primeiros 15 dias e a partir do 16º dia isso será pago pela União.O ministro explicou que, após 30 dias, o valor do diesel será reajustado com base na política de preço das Petrobras. Por mais 30 dias, não haverá reajuste.
É preciso lembrar que essa crise seria bem menor se o Brasil não fosse tão dependente do modal rodoviário, o que nos convida a planejar melhor o desenvolvimento do país. Nada disso é solucionável com um passe de mágica, muito disso é consequência de decisões equivocadas do passado, mas uma classe política com visão de longo prazo aproveitaria o momento que estamos vivendo para destravar os gargalos estruturais do setor – infelizmente, não é isso que está ocorrendo. Também não há dúvidas de que cada crise é uma oportunidade para exercitarmos o protagonismo da sociedade civil e buscarmos soluções dialogadas. Se isso for feito dentro da lei e da convivência democrática, será positivo por si só. Que ao menos não nos esqueçamos disso no debate eleitoral deste ano.