Editorial

A megaoperação no Rio de Janeiro

Cerca de 33 anos depois do massacre do Carandiru, que aconteceu em 1992, e 32 anos da chacina de Vigário Geral (agosto de 1993), o País voltou a se chocar com a imagem dantesca de dezenas de corpos enfileirados no meio da rua no Complexo da Penha, no Rio de Janeiro.
Moradores do local estenderam mais de 50 corpos na Praça da Penha. Os cadáveres foram retirados de uma região de mata durante a madrugada e cobertos colocados em uma lona um ao lado do outro, pela própria população.
A megaoperação da Polícia, realizada na terça (28) de outubro, deixou, no total, cerca de 119 mortos, de acordo com a Secretaria de Estado da Polícia Militar do Rio de Janeiro, superando o massacre do Carandiru, tragédia na qual 111 detentos foram mortos por policiais após uma rebelião no pavilhão 9 da Casa de Detenção de São Paulo.
O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), classificou a megaoperação, considerada a mais letal da história do Estado, como “um sucesso”. A ofensiva envolveu 2,5 mil policiais, blindados e helicópteros. O Comando Vermelho (CV) chegou a usar drones com bombas ao reagir. Já na avaliação do Palácio do Planalto e do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o combate ao Comando Vermelho não foi feito com planejamento, inteligência e coordenação das forças policiais.
Neste aspecto, entra a vertente política eleitoral visando o “sucesso” nas urnas em 2026. Afinal, Castro é filiado ao PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, e será candidato ao Senado nas eleições de 2026. O governador objetivava, na prática, jogar a responsabilidade de uma GLO (Garantia da Lei e da Ordem) para o governo federal e trazer um tom eleitoral à crise.
A GLO é regulada pela Constituição Federal e concede aos militares das Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica), por período determinado, em uma área específica, o poder de atuação como polícia. Ela é decretada quando as forças tradicionais de segurança pública não conseguem conter graves situações de perturbação da ordem. Porém, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva descartou decretar essa operação.
Os confrontos do Complexo da Penha marcaram um embate de versões entre o governador do Rio e o Ministério da Justiça e Segurança Pública sobre a forma como o crime organizado deve ser combatido. O governador afirmou que o Estado enfrenta o crime organizado “sozinho” e que o governo federal não atendeu aos pedidos de ajuda.
Ou seja, mais uma vez a ação tem conotação política eleitoral, afinal sequer houve líderes ou membros da alta cúpula do CV entre os mortos. O saldo da operação foi mais de uma centena de mortos, entre os quais quatro policiais; dezenas de feridos; a população do Rio paralisada pelo pânico; vias bloqueadas por criminosos; e, para coroar o fracasso total, o alvo da operação, Edgard Alves de Andrade (Doca), foragido. Deve-se considerar esse resultado um sucesso? Isso é uma afronta à razão. Apenas foi reafirmado que o governo do Rio não controla nem o próprio território do Estado.
A falta de coordenação foi alarmante. A Prefeitura do Rio nem sequer foi informada de que uma ação policial daquela magnitude seria deflagrada O que se viu é um Rio de Janeiro refém do crime organizado e de um governo incompetente, incapaz de conceber uma solução efetiva para combater o crime organizado.
O sistema político brasileiro parece que ainda não se deu conta, talvez intencionalmente, de que o crime organizado se transformou no fator de risco número 1, tanto para a própria política, quanto para a própria governabilidade. O massacre do Complexo da Penha resume o absoluto fracasso do atual modelo de segurança pública brasileiro baseado quase exclusivamente no confronto aberto entre policiais e criminosos.

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