Opinião

A vida nos prega peças

Imagine que você está numa entrevista de emprego e se preparou para tanto. Perguntas acerca de suas experiências você vai tirar de letra, bem como dizer a respeito de seus objetivos a curto, médio e longo prazo. Pretensão salarial, então, você responderá objetivamente. Questões do tipo ‘Por que eu deveria te contratar?’, ‘Por que você acha que é o mais adequado para essa vaga?’, ‘O que você sabe sobre nós?’. Você vai acertar em cheio, já que tais respostas foram planejadas e estudadas de antemão.
A conversa vai ser olho-no-olho com o coordenador de RH. Na sala de espera você está todo confiante, e a secretária chama no ‘Próximo’, eis que você se encontra numa sala onde um homem se mantém numa poltrona reclinável a trajar camisa salmão sem gravata posicionado detrás de uma mesa de vidro com um laptop aberto. “Sente-se por favor, água ou café?”, ele oferta. “Café eu não tomo, desculpe, mas eu acompanho o senhor num copo d’água”. O homem fala ao interfone: “Rafaela, traz dois copos de água, por favor”.
Começam as perguntas: “Se você fosse um animal, qual seria?” Por essa você não esperava, e o pior é que ele perguntou isso logo no seu primeiro gole em que você quase engasgou. Aí você responde a primeira coisa que vem à cabeça e, que aliás, você tem de estimação na sua casa. “Por que um cachorro?” retruca o entrevistador. “Sei lá, porque eu gosto e acho bonito”. “E se você não pudesse ser um cachorro?”. Agora complicou de vez. Ninguém mandou não ir preparado. “Um gato? Talvez?”. “Um gato…. talvez…” repete o homem, ironicamente a demonstrar desdém de sua gagueira. “Por que um gato?” “Bom, porque eles são bem legais…a minha tia tem um e ele é super manso.” “E se você não pudesse ser um gato, seria o que?” Aí é pedir demais… ainda bem que você controla suas necessidades fisiológicas (ou deveria). “Um pássaro!” “E por quê?” “Porque eu gosto de me sentir livre.” Mentira! você sempre trabalhou atrás de um computador enclausurado numa sala de quatro metros quadrados, a tomar refrigerante de cola e devorando bolachas recheadas, além do quê, você nunca foi sozinho ao cinema e “livre” era a última coisa que o entrevistador queria ouvir, porque naquela empresa você ia ficar preso o dia inteiro, fazer hora extra e ganhar bem pra isso.
Porém, o rapaz à sua frente, com aquelas perguntas todas não é tão carrasco assim e resolve te dar outra chance para ver se você se concerta. Então, ele sugere: “Se você fosse a uma ilha deserta e pudesse levar três departamentos da empresa, quais seriam?” Claro que você não sabe! Mas o entrevistador não deixa para menos, ele percebe que você está indo mal e lhe dá mais questões: “Se você fosse um super-herói, qual seria: Homem Aranha, ou Batman?” Pronto! Você estava tão tenso que nem lembrou que não gostava de quadrinhos e ainda quis dar uma de bom e respondeu ‘Spider Man’ com sotaque americano só porque passou no cinema mês passado. Era só falar “Não sei, não me interesso por quadrinhos, desculpe.”
O entrevistador tem certeza que você está cheio de defeitos, e ele acha que você vai conseguir responder a última pergunta: “Cite dois defeitos seus”. Aí você engasgou de vez, pois falar dos outros é fácil, quero ver falar de você… e é por isso que não preparou tais respostas. Estava tão compenetrado nas outras coisas que não teve tempo para você mesmo.