Depois das festanças naturais natalinas e de ano novo, voltamos ao dia-a-dia de nossos labores e nossas preocupações. Bom seria se o governo nos trouxesse esperança de dias melhores. Convenhamos que já foram piores mas com o ano novo a expectativa é diferente, a não ser que o governo de Bolsonaro siga a mesma cartilha que vem adotando no trato de questões fundamentais para o pleno exercício da Democracia, sem ameaças à livre manifestação de ideias na arte, nas letras e nas coisas da cultura, de um modo geral, sem ameaças ao livre pensar e atuar em nossa vida de todo o dia. Temos o direito de esperar que o governante esqueça da tortura e de torturadores que trouxeram o desespero a tantas famílias, pois sempre que pode ele elogia a uns citando seus nomes como se fossem verdadeiros heróis, sem terem sido.
No que diz com incentivo à cultura ele já reviu a Lei Rouanet questionando os subsídios públicos a produtores que era de 60 milhões de reais e foram reduzidos a R$1 milhão, o que afetou seriamente a produção de espetáculos musicais, sempre bem recebidos pelo público. Colocou em prática dificuldades dirigidas especialmente contra produções que falavam de regimes autoritários, de sexualidade por exemplo. Não há dúvida de que certas publicações e espetáculos teatrais exageram às vezes na linguagem, nos gestos, no ataque a costumes vigentes, nem por isso devem ser censurados, porque a censura pode atingir alvos mais expressivos na arte, o que não deve justificar a interpretação dela ao critério de sensores especialmente doutrinados e preparados para o corte do que considerem abuso de artistas e produtores de espetáculos, por eles censores tidos como inaceitáveis. Repercussão incomum de verdadeira revolta surgiu em protesto legitimo contra os ataques grosseiros e insultuosos do diretor da Funarte, depois Ministro da Cultura Roberto Alvim, dirigidos à artista Fernanda Montenegro, chamando-a de atriz sórdida e mentirosa. Não há necessidade de lembrar que ela se constitui em verdadeira glória da arte teatral brasileira com expressivos trabalhos também na TV. Poder-se-á não gostar dela e de suas atuações artísticas, nunca jamais subestimar de maneira tão grosseira seu trabalho e sua pessoa que tem sido digna de respeito e de admiração dos brasileiros.
Exemplo curioso é do cidadão negro Sérgio Nascimento de Camargo nomeado presidente da Fundação Palmares. Ele se declarou publicamente contra o Dia da Consciência Negra e das cotas raciais. Como se vê, o presidente Bolsonaro capricha na escolha de integrantes de seu primeiro time de governo, mesmo ciente de que certas escolhas possam ser estranhadas e até mal recebidas e, mesmo desaprovadas pela opinião pública. Mas ele tem a caneta para as nomeações e responsabilidade direta pela atuação dessas figuras no mínimo desajustadas para tão importantes serviços no primeiro escalão do governo federal.
Acho bom ficar por aqui, por ora. Poderia desfilar outras estranhas singularidades (e são tantas) do atual governo, entrando em seu segundo ano de mandato. Ficam faltando três longos anos a desafiar a paciência e também a tolerância, tanto quanto possível resignada da platéia, que não lhe negará apoio, por certo, nos seus acertos e no seu comportamento de defesa de ideais democráticos, que jurou defender no ato solene de sua posse.