
A capacidade humana de criar e, consequentemente, transformar a natureza, desde os primórdios da humanidade, repercute na vida cotidiana. O longo percurso, desde a descoberta do fogo até a Inteligência artificial, trouxe melhorias para a vida, mas, em muitos casos, provocou o desaparecimento de práticas e costumes que considerávamos definitivos.
Tomando como exemplo o comércio, hoje é crescente a utilização das compras on-line, sem nenhum contato pessoal entre vendedor e comprador. O que ainda virá, talvez nem consigamos imaginar…
Tendo em vista as transformações nas relações entre vendedores e consumidores, como uma das dimensões da memória da cidade, o Centro de Memória de São Bernardo, da Secretaria de Cultura, da Prefeitura de São Bernardo, promoveu, na quarta (28), mais um encontro de Conversas de Memória, desta vez com o tema: Antigos armazéns, mais que comércio: memória e afeto.
Os antigos armazéns predominavam nas cidades como pontos referenciais para a aquisição de gêneros alimentícios, numa época que antecede a presença dominante dos super e hipermercados.
A proposta do encontro não era elencar os vários armazéns existentes em determinadas épocas, mas os costumes relacionados a esse comércio. O que se comprava? Como se pagava? Quantas vezes ao mês se fazia compras?… No entanto, não deixaram de ser lembrados e citados vários armazéns, identificados pelos nomes dos proprietários, entre outros: Butrico, Lazzuri, Cavinato, Morgante, Setti, Bechelli, Capassi, Sabatini, Horita… até chegar ao Sesi, Casa da Banha e as Cooperativas de Consumo das empresas.
Das lembranças, ressaltam as relações de confiança e amizade que prevaleciam. Normalmente se comprava no armazém próximo de casa. Os comerciantes moravam ali, as famílias se conheciam e era muito comum as compras serem pagas apenas quando se recebia o salário. Tudo era anotado em cadernetas, muitas vezes a lápis, que ficavam com os fregueses. A compra fiado também era muito comum. Quando chegava o final do mês e era efetuado o pagamento, normalmente o comerciante presenteava com uma lata de doce, um pacote de bolachas, balas… A confiança era grande e nunca decepcionava…
Ainda vivia-se no período de transição do rural para o urbano, onde a produção, diversificação e aquisição de produtos industrializados eram pequenas… Comprava-se nos armazéns os itens básicos para a alimentação: arroz, feijão, milho, fubá, óleo…, que eram vendidos a granel. O óleo ficava em grandes tambores, com uma pequena bomba manual de sucção para retirar o produto e vender por litro, que era levado pelo próprio consumidor. Os alimentos em grãos ficavam em grandes sacos, abertos, sendo retirados com o auxílio de uma concha, colocados em saquinhos de papel e pesados no momento da compra. A balança que predominava era da marca Filizola. Alguns ainda se lembraram de balanças mais antigas, que utilizavam pesos comparativos.
Queijo, mortadela, linguiça, baca-lhau, bolacha maria (também vendida a granel), café moído na hora, também foram lembrados. Além dos doces que alegravam as crianças: maria-mole, doce de abóbora, geleia colorida, copo de sorvete com maria-mole dentro, um “sanduiche” de bolacha maria com maria-mole no meio…
As compras maiores eram mensais e, em muitos casos, o comerciante providenciava a entrega em domicílio, com uma carroça… Era muito comum os fregueses levarem uma listinha com os produtos pretendidos, deixarem lá e depois o dono do armazém fazia a entrega. Não havia necessidade de escolher, porque o comerciante já sabia o que o freguês costumava levar e, também, não havia variedade de marcas…
Não foi sem uma dose generosa de saudosismo que os participantes do encontro relataram suas memórias desses estabelecimentos e das relações de então, mais afetivas, mais cheias de vida e calor humano…
Jorge Magyar
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