José Renato Nalini Opinião

Ateu, graças a Deus!

   Não acreditar na existência de Deus, na explicação de um design criativo, de uma ordem transcendental no Universo, é algo que sempre existiu. O agnosticismo, o ateísmo, o laicismo, são verbetes que procuram identificar o não-crente.

   O Brasil é uma nação sincrética. Há quem acredite em tudo e, por uma espécie de superstição, embora se declare católico, toma “passes”, frequenta os templos das crenças afro, aceite jo-rei e benzeduras ministradas por pessoas dotadas por talentos etéreos.

   Mas a figura do “ateu, graças a Deus!” também existe. E isso sempre houve no decorrer da História. É algo bem típico dos brasileiros.

  Dentre os episódios a respeito, alguns situam-se na fase áurea da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, a primeira do Brasil, que logo mais completará seus duzentos anos.

   Lúcio de Mendonça, que depois se tornaria intelectual de renome, estudava nas Arcadas e residia na mesma “República” habitada pelo Padre Francisco de Paula Rodrigues, o famoso “Padre Chico”, também integrante dos círculos literários à época. Era respeitado orador sacro e se dizia que sua santidade o elevava à categoria de taumaturgo.

  Desde adolescente, Lúcio de Mendonça era hostil ao clero e à Igreja. Isso no plano das ideias, o que não impedia o seu convívio com sacerdotes eminentes, como o Padre Chico.

   Tornou-se amigo íntimo do orador, o que gerava comentários dos colegas da Academia de Direito, que o provocavam:

   – “Parece que está ficando católico! A companhia do Padre Chico vai modificando aos poucos as suas convicções antirreligiosas…”.

   Para mostrar que não estava se convertendo, Lúcio de Mendonça logo publicava na “Província de São Paulo”, nome original do “Estadão”, implacável ataque ao catolicismo e, principalmente, ao clero, para mostrar fidelidade ao seu credo agnóstico ou ateu.

   Só que era uma atitude que não recusava respeito ao sacerdote. Certa feita, Ezequiel Freire, um de seus amigos mais chegados, lia em voz alta, na sala da “República”, um trecho escabroso de um romance realista, que hoje seria considerado pornográfico. Lúcio o interrompeu:

   – “Vamos ler isso no meu quarto”. E justificou: – “Nesta sala, o Padre Chico lê o seu breviário”.

    Era um desses “ateus, graças a Deus!”, que ainda existem no Brasil de nossos dias.

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