Dominique Strauss-Kahn, cidadão francês, ex-poderoso diretor presidente do FMI (Fundo Monetário Internacional), até então forte candidato à presidência da França pelo Partido Socialista, está preso nos Estados Unidos. No dia 14 de maio, em visita a uma filha que reside em Nova Iorque, hospedou-se num hotel de luxo onde teria atacado a camareira que limpava seu apartamento, tentando estuprá-la. Deixando o hotel para voltar a Paris, lembrou-se de ter esquecido seu celular e telefonou para o hotel a fim de recuperá-lo. Ainda no aeroporto, esperando o embarque, a camareira teria feito a denúncia do assédio, a policia entrou em ação e ele acabou sendo detido, sem flagrante, a bordo do avião em que retornaria à França. O escândalo explodiu na imprensa e a justiça americana entrou em ação, pois crimes sexuais, ainda que tentados, são severamente punidos pela lei nos Estados Unidos. Dominique tentou pagar fiança para ser solto. Não conseguiu. Depois, acolhida a postulação, pagou fiança de um milhão de dólares e foi obrigado a garantir sua permanência em Nova Iorque recolhendo à justiça a bagatela de cinco milhões de dólares. Indiciado no processo, Dominique passou a sofrer toda sorte de humilhações, obrigado a vestir um macacão antisuicidio sem botões e sem cadarços, sendo recolhido a uma cela comum. Foi-lhe concedida prisão domiciliar tendo-lhe sido imposta tornozeleira que monitora seus movimentos, além de ser vigiado por meio de vídeos e um segurança armado, como se fosse perigosíssimo bandido. Diz-se que, se procedente a ação penal, ele poderá ser condenado a vinte ou mais anos de prisão. O caso sugere algumas observações: 1. Nunca se saberá ao certo o que se passou naquele apartamento de hotel. Dominique tem sua versão e a camareira, a dela. 2. Quem freqüenta hotéis sabe que camareiras nunca entram enquanto o hóspede está no apartamento, donde se imagina que pode ter havido uma “armação” contra um homem poderoso, que terá naturais desafetos, sujeito a “fogo amigo” e muita inveja. 3. Nos crimes sexuais, ainda que tentados, não é incomum a participação da vítima para sua consumação. Sabe-se lá o que de verdade ocorreu naquele quarto de hotel ? 4. A ferocidade e mesmo a violência de tratamento imposto ao acusado revela a face farisaica de uma sociedade e de uma justiça intolerantes quando se trata de avaliar costumes, especialmente sobre sexo. Já se divulgou até que os moradores de um prédio onde Dominique pretendia instalar-se com sua família protestaram contra sua presença ali, obrigando-o a procurar outro local. 5. O escarcéu montado em torno do fato, imprensa, televisão, protestos, rigorismo da justiça, tudo vem impondo verdadeiro linchamento material e moral do acusado. É certo, segundo se lê, que ele tem antecedentes comprometedores quanto aos seus apetites sexuais, mas condenar desde logo e expô-lo à execração pública é relegar o princípio da inocência numa sociedade que freqüenta cultos religiosos, com maioria de adeptos de igrejas evangélicas. 6. Tudo o que se lê na mídia e vem sendo mostrado nas TVs revela ao mundo sessões de verdadeira tortura física e moral, imposta ao acusado. Eis até onde pode chegar tamanho rigor legal, num país cuja cultura, especialmente a religiosa, é regada a falso moralismo.
Tito Costa é advogado, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex- deputado federal constituinte de 1988. E-mail: antoniotitocosta@uol.com.br