A volúpia avaliatória impregnou o universo do ensino. É óbvio que analisar os resultados da educação é fator relevante para o planejamento. Para revisão de métodos e metas, para mudança de rota, o que não é difícil na escola pública, a cada mudança de gestão. Tem lugar aí o marketing a reinventar a roda e a sepultar iniciativas anteriores, ou maquiá-las, mudando o nome.
Desse pecado também padece a avaliação rotineira, com vistas à elaboração de rankings. Cada Estado da Federação quer ser o melhor na apuração daquilo que seus educandos aprenderam num determinado período. O sucesso é poderoso fator de persuasão na luta eleiçoeira.
A inspiração é saudável quando se trata do famoso exame conhecido como “Pisa”, levado a efeito pela OCDE e no qual o Brasil insiste em permanecer nos últimos lugares. O que precisa merecer atenta reflexão é a excessiva preocupação com índices, em detrimento de questões muito mais sérias do que o rol daqueles que podem parecer vencedores, mas que – na verdade – ostentam flancos vulneráveis.
Por exemplo: não é raro que, seduzido pela possibilidade de figurar bem entre detentores do mesmo cargo do governo – Governador ou Prefeito – alguém seja levado a aprovar experiências aparentemente altruísticas, mas muito bem pagas pelo povo. Também há de se cotejar o custo benefício do sistema de bônus. Outra excelente ideia em tese. Mas oculta práticas pouco éticas dos interessados em obter um adicional pelo êxito registrado pela escola. Há uma seletividade do alunado que poderia não corresponder às expectativas da comunidade do ensino. Há um treino exagerado para as provas, com estímulo à memorização e desprezo pelo aprendizado. Também não é exceção o auxílio de algum responsável, para que a sua classe venha a merecer o prêmio.
Mas o que é muito importante no momento de Covid19, é indagar se cabe avaliar este período, com as mesmas ferramentas dos períodos anteriores, que ora chamamos de “normais”.
Seria melhor avaliar se os alunos se alimentaram, como passaram pela pandemia, se dormiram num quarto só seu, se seus pais – ou quem os sustenta – continuaram a receber salários. Como estará a cabecinha das crianças e adolescentes quando voltarem às aulas?
Uma avaliação que se preze deveria pensar no “day after” da escola pública. Quantos daqueles que obtiveram diploma estão no mercado de trabalho? Quantos foram recrutados pelo tráfico? Quantos morreram? Quantos foram “incluídos” na sociedade que chamamos democrática, do Estado Liberal e quantos são os excluídos ou os invisíveis, cujo número se escancarou com o advento da peste?
Uma avaliação que não se faz, é a do sentimento que o aluno da escola pública de hoje costuma nutrir em relação à sua escola. Não faltam testemunhos edificantes daqueles que estudaram em estabelecimentos oficiais e gratuitos em décadas passadas. Será que esse orgulho de pertencimento a uma comunhão de almas e de esperanças foi mantido? Ou os ex-alunos alimentam revolta e ódio, a ponto de voltarem à escola e matarem colegas e funcionários antes de praticarem suicídio, como aconteceu no ano passado na Escola Estadual “Raul Brasil”?
A mentalidade que domina esse universo é aquela da prevalência da forma sobre a substância. Educação ainda é treino de memorização, adestramento de seres postos ao mundo cada vez mais competitivo, cruel e desumano. Importa mais é obter classificação honrosa nas escalas de rendimento amplamente divulgadas, credenciadoras dos responsáveis para a continuidade da mesma política.
Será que não valeria a pena um exame de cons-ciência por parte de todos? Todos de verdade, não apenas os vinculados à educação oficial. Afinal, se não mudarmos nossa postura necrosada e só focada em números, o futuro será ainda pior do que aquilo que o presente já está sendo.