Cultura & Lazer

Galeria Estação recebe Paleovisões, primeira exposição individual de Higo José

Mostra reúne 35 trabalhos inéditos, entre tapeçarias e esculturas (Fotos: Divulgação)

Depois de um ano marcado por exposições especialmente elaboradas em celebração aos 20 anos de atividades da Galeria Estação, o espaço abre a temporada 2025 de exposições com Paleovisões, mostra individual do jovem artista cearense Higo José, nascido em São Benedito, em 1994, e residente em São Paulo desde 2007.

Com vernissage em 25 de março e aberta para visitação até 26 de abril de 2025, a mostra reúne 35 trabalhos inéditos de Higo, que tem afirmado sua personalidade artística por meio de uma minuciosa técnica do bordado, presente em tapeçarias que trazem para a contemporaneidade a herança ancestral das pinturas rupestres, em uma pesquisa que também se manifesta na criação de esculturas que buscam inspiração na arte pré-histórica ao reproduzir formas que evocam monumentos megalíticos como dolmens e menires – grandes estruturas construídas em blocos de pedra encontradas em sítios arqueológicos ao redor do mundo e também no Brasil.

“Passamos a representar o Higo há pouco mais de um ano, e desde então procuramos levar seus trabalhos para feiras onde ele tem sido muito comentado e apreciado. Entre setembro e novembro de 2024 fizemos a primeira exposição dele em Nova York, Timeless Threads, com um conjunto de trabalhos apresentados na Galeria Espasso, e cheguei à conclusão de que estava na hora de fazermos a primeira mostra de trabalhos inéditos dele. Creio que essa nova individual será a exposição mais importante que Higo fez até aqui, pois considero que sua pesquisa e técnica estão cada vez mais maduras”, defende Vilma Eid, sócia e cofundadora da Galeria Estação. 

Os trabalhos de Paleovisões foram, em sua maioria, criados neste início de 2025. Em busca de concisão a partir de procedimentos explorados por ele há pelo menos três anos, Higo defende que sua pesquisa é indissociável de duas memórias afetivas de sua infância: o aprendizado do bordado com sua avó materna, Jandira, e a influência da arte pré-histórica egressa do período em que viveu em São Benedito, município que faz divisa com o Piauí e com o Parque Nacional da Serra da Capivara.

“Minha cidade fica na região da Serra da Ibiapaba, que tem vários sítios arqueológicos, mas menos relevantes do que os da Serra da Capivara, que sempre despertaram minha atenção desde que comecei a estudar, ainda criança, e os professores davam muita ênfase à riqueza pré-histórica que havia no nosso entorno”, recorda Higo. “Quando comecei a usar a técnica do bordado em minhas obras estava muito focado em fazer trabalhos de teor político, que falavam sobre a ditadura, mas vivíamos um período complicado, com o ex-presidente, pandemia, e essa imersão em uma memória tão pesada que veio com o golpe de 1964 não fez bem para mim. Os dois tempos históricos me pareciam muito iguais e decidi retroceder ainda mais no passado para me dedicar a essa conexão entre a pré-história e a contemporaneidade”, explica. 

O catálogo de Paleovisões tem texto assinado por um conterrâneo do artista, o pesquisador e curador Bitu Cassundé. “Tive o prazer de conhecer Bitu quando fiz a exposição Rupestres na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte. Convidei para escrever o texto dessa exposição não somente pelo fato de Bitu também ser cearense, mas porque a pesquisa dele tem muito a ver com o meu trabalho”, defende Higo.

Na apresentação de Cassundé a amplitude das investigações do artista fica evidenciada na miríade de referências presentes no conjunto de obras reunidas em Paleovisões.

Higo José: artista cearense

“O conjunto escultórico refere-se aos utensílios e artefatos em pedra, como pilões, machados e moedores, e às estruturas em formas humanas encontradas nos sambaquis – construções arqueológicas intencionais, em formato de pequenos morros no litoral brasileiro, mais numerosos em Santa Catarina, criados para funções diversas, de moradia a cemitérios e rituais, esses últimos por etnias indígenas. O gesto contemporâneo é o fio que conduz Higo José a articular essas aproximações entre as escrituras de um tempo versus uma visualidade transposta pela gestualidade ancestral do bordado através da linha, assim como as esculturas que, revestidas pelos fios, conferem diferentes modos de perceber as ritualidades, por artefatos utilitários ou que remetem ao sagrado, por meio de esculturas votivas”, contextualiza o pesquisador.

Para além do texto de Cassundé, a exposição também apresenta um relato complementar, feito em primeira pessoa, sobre uma experiência sensorial vivenciada por Higo a partir de seu interesse nos processos de produção de pinturas, símbolos e esculturas da era paleolítica, experiência que, segundo ele, teve influência direta na realização das obras presentes em Paleovisões.   

“Muitas pinturas rupestres têm aspectos surrealistas, imagens que sugerem ter sido feitas sob estados alterados de consciência, e existem vários cientistas que defendem que o uso de alucinógenos começou na pré-história. Como eu estava muito interessado pelo tema, uma amiga me convidou para participar de um ritual de ayahuasca na aldeia indígena Boa Vista, no município de Jordão, no Acre. Essa experiência foi um elemento decisivo para eu desenvolver as ideias que expressei nesses trabalhos. Tentei descrever esse processo no texto que estará presente na exposição, um relato do que pude lembrar após passar por essa vivência. Por isso cheguei ao nome ‘Paleovisões’ – ‘paleo’ de pré-histórico, e ‘visões’ em referência aos alucinógenos”, explica. 

Para o curador e historiador da arte José Augusto Ribeiro, que desde o segundo semestre de 2024 tem atuado como consultor de acervo e de projetos especiais da Galeria Estação, a concisão poética dos trabalhos reunidos em Paleovisões foge da procura por essencialismos, tão presente no discurso contemporâneo das artes.  

“O trabalho do Higo tem uma reelaboração de imagens e objetos remotos, que, quando transferidos para a tapeçaria ou para trabalhos tridimensionais com espuma e barbantes coloridos, fazem uma condensação temporal entre passado e presente. Os tridimensionais do artista têm essa semelhança com dolmens e esculturas paleolíticas, ao mesmo tempo em que se apresentam contemporâneas, pelas cores, pela materialidade e pelos procedimentos que as constituem, resultando em um embaralhamento, não só do tempo, mas das propriedades e das caraterísticas físicas. Coisas que se parecem com pedras, por exemplo, são, na verdade, macias, feitas de espuma”, afirma Ribeiro.

Com o mesmo olhar minucioso, de quem tem acompanhado de perto os desdobramentos da pesquisa do artista, a percepção de que Paleovisões reflete um momento de afirmação da potência de Higo José é compartilhada por Vilma Eid

“Gosto de avaliar o movimento de cada um dos artistas que represento. Gosto de ficar observando se aquilo é só uma obra que deu certo ou se é parte, na verdade, de um trabalho conciso, que tem futuro. Higo tem me mostrado cada vez mais que, sim, o trabalho dele continua em evolução. Abrindo nossa programação de mostras individuais de 2025, teremos agora o prazer de apresentá-lo ao público nesta exposição repleta de novidades”, conclui Vilma.  

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