MARCOS CINTRA Opinião

IBS/CBS sobre imóveis: uma promessa não cumprida

A tão aguardada reforma tributária, vendida como a panaceia para simplificar e dar segurança jurídica no Brasil, prometeu modernizar um modelo arcaico e ineficiente. A ideia de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, com a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) subnacional, gerou expectativas de um ambiente de negócios mais previsível. No entanto, ao se analisar o impacto sobre o mercado imobiliário, o cenário que surge está aquém da promessa original: complexidade desnecessária e aumento potencial de custos que pode asfixiar o setor.
A primeira contradição é justamente a da simplificação. O que se observa é um emaranhado de regras, fases de transição e regimes especiais criados para acomodar os mais diversos setores, desvirtuando a pureza do IVA, para além de critérios confusos sobre o que constitui “habitualidade” nas transações transformam o que deveria ser um sistema unificado em um mosaico de exceções. Em vez de clareza, cria-se uma incerteza jurídica, que contraria um dos objetivos mais almejados da reforma.
Pior do que a complexidade é o vislumbre de um aumento da carga tributária. A despeito de alíquotas que foram anunciadas como reduzidas – 50% da alíquota padrão para vendas e 70% para locações –, IBS e CBS, na verdade, não substituem integralmente os tributos existentes. Somam-se a impostos como ITBI, IPTU e IR sobre ganhos de capital e rendimentos de aluguel, criando uma espécie de “sanduíche tributário”. Cada camada adicionada pesa sobre o contribuinte, tornando as operações imobiliárias consideravelmente mais caras e menos atrativas.
Um dos pontos mais críticos e injustos da nova estrutura é o risco iminente de dupla tributação, o famigerado bis in idem, especialmente sobre ganhos de capital. A intenção de tributar toda a “cadeia de valor” pode, inadvertidamente, levar à bitributação de um mesmo evento econômico, como a valorização de um imóvel. Se o lucro da venda já é tributado pelo Imposto de Renda, a incidência de IBS ou CBS sobre a mesma transação é uma penalidade adicional e fere princípios básicos de equidade, onerando de forma desproporcional quem investe em imóveis como forma de poupança ou planejamento financeiro.
A reforma erra ao tentar aplicar um modelo de IVA – pensado para bens e serviços – à locação de imóveis. O rendimento de aluguel, em sua essência, é um retorno de capital, não agregação de valor típico do processo produtivo. Tentar encaixá-lo na lógica do IVA, sem reconhecer sua natureza distinta, demonstra desconexão entre teoria da reforma e prática do mercado imobiliário. Essa falta de clareza conceitual abre precedentes para interpretações dúbias e potenciais contenciosos fiscais.
As consequências práticas não tardarão. O aumento da carga e da complexidade regulatória deve reduzir a oferta de imóveis para venda e locação. Investidores e proprietários, diante dos custos e incertezas, podem optar por manter imóveis vazios ou retirá-los do mercado. Isso impactará os preços, que serão repassados ao consumidor final. Para pessoas físicas que dependem do aluguel como fonte de renda, as novas exigências podem se tornar um fardo insustentável. E, onde há incerteza, a litigiosidade floresce, sobrecarregando o Judiciário e prolongando a insegurança.
Em suma, a reforma tributária, no que toca ao mercado imobiliário, parece falhar em cumprir promessas mais básicas. Longe de simplificar, adiciona camadas de burocracia; em vez de garantir segurança jurídica, semeia dúvidas; e, no lugar de impulsionar o dinamismo econômico, ameaça encarecer e estagnar um setor vital. É urgente que legisladores revisem seus efeitos sobre o mercado imobiliário, ajustando o modelo para que se alinhe aos princípios de justiça, simplicidade e fomento econômico. Do contrário, o que foi prometido como avanço pode se tornar novo entrave para o desenvolvimento e o acesso à moradia no Brasil.

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