A civilização sempre oscilou entre o culto ao vigor e o respeito à cicatriz. Hoje vivemos um surto inédito: o juvenismo, atitude cultural que erige a juventude em valor absoluto, relegando experiência e sabedoria ao limbo do “ultrapassado”. Não é mera preferência estética; écronofobia estrutu-ral, imediatismo que transforma efêmero em eterno. O paradoxo é que a cura para o juvenismo é o próprio envelhecimento.
Karl Mannheim viu na juventude “potencial revolucionário”; Pierre Bourdieu analisou o capital cultural etário. Mas nenhum nomeou a doença. O juvenismo é o diagnóstico contemporâneo de um mal antigo, agravado pela aceleração tecnológica.
O cérebro não envelhece de uniformemente. A inteligência fluida declina, mas a cristalizada – vocabulário, julgamento, reconhecimento de padrões – ascende. Indivíduos acima de 60 anos superam os de 25 em 70% das decisões sob incerteza, segundo meta-análise da Psychological Science (2024). A sinapse que não se usa morre; a que se usa se reforça.
A inovação disruptiva é privilégio da juventude. Einstein aos 26, Newton aos 23, Turing aos 24 – romperam o mundo com a audácia de quem ainda não sabia que era impossível. O erro está em confundir o insight com a execução. O jovem que inventa o fogo não é o melhor para construir a cidade que o usará por séculos. Para isso, é preciso quem já viu incêndios.
A história registra surtos juvenistas macabros. Na Revolução Cultural Chinesa, Mao Tsé-Tung, aos 72 anos, orquestrou culto ideológico à juventude como antídoto à “decadência etária”. Mobilizou milhões de Guardas Vermelhos, adolescen-tes exaltados como “vanguarda revolucionária pura”, que destruíram templos, humilharam intelectuais e causaram entre um e dois milhões de mortes. Mao não era o executor impulsivo, mas o arquiteto cínico: usou o juvenismo como arma geracional para eliminar rivais.
Algumas civilizações entenderam cedo o valor da maturiocracia. A China confuciana elevou o ancião a conselheiro supremo; Roma confiava o Senado a patrícios acima de 42 anos; Levítico ordena: “Levanta-te diante dos cabelos brancos”. Não eram gerontocracias, mas maturiocracias funcionais.
Hoje o pêndulo oscila de volta. Xi Jinping tem 72 anos; Lula, 80; Modi, 75; Scholz, 67. A média dos chefes do G20 é de 60 anos. No Congresso americano, média de 59 anos na Câmara e 64 no Senado. Onde a complexidade aumenta, o juvenismo recua.
A expansão do juvenismo contemporâneo tem raízes na transformação digital. A internet comprimiu o tempo cognitivo: o que exigia anos de reflexão cabe em 280 caracteres. O jovem que viraliza aos 22 torna-se referência, enquanto o especialista de 62, com 40 anos de pesquisa, é “lento demais”. A relevância vem da velocidade, não da profundidade. O algoritmo não distingue insight de barulho; premia o que engaja. A imaturidade vira moeda de troca.
A educação sucumbiu. Cursos online de três horas prometem “dominar Python” ou “ser milionário aos 30”. O “fail fast” da startup é útil na técnica, mas desastroso para a formação humana. O erro precisa de tempo para se transformar em lição; sem tempo, repete-se.
O juvenismo só será superado por quem o viveu. O jovem de hoje será o maduro de amanhã. Então, não precisará de argumentos: terá cicatrizes. A sociedade não precisará de manifestos: terá memória. O tempo fará o que nenhum discurso consegue – transformar o descrente em crente.
Enquanto isso, aos maduros cabe existir – não como pregadores, mas como prova viva. Suas rugas são mapas; suas cicatrizes, medalhas; suas decisões, legados. Eles não precisam convencer – precisam durar. Quando o corpo ceder, o que restará não será um post efêmero, mas estrutura sólida: uma lei, uma instituição, um exemplo. O juvenismo quer tudo agora. A maturidade constrói para sempre. E o tempo sempre escolhe o que dura.














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