28/04/2012
Dia 18 de abril deste ano de 2012 faleceu em Torrinha meu cunhado Alcyr Ramos Barbosa, que foi casado com minha única irmã Abigail, também já falecida. Sempre que morre alguém muito próximo da gente, renovam-se em nós as lembranças, a saudade, os escombros de laços familiares e relações humanas que todos temos, E cada um sente a seu modo. E então voltam à mente as coisas boas do passado com o inevitável toque de nostalgia, as cenas de bem conviver como que refletidas nos espelhos estilhaçados da memória. Surgem, então, a velha casa dos pais, e a da doce irmã. Aqui, numa explicita desordem, as cadeiras, os chinelos espalhados, as mesas dos almoços divertidos, as camas improvisadas quando da chegada de São Paulo com Léa e os filhos pequenos, invadindo aquele lar aberto em que se repartiam afetos generosos. Não importava o número de hóspedes, a mesa sempre farta, a Biga (era a Abigail) desdobrando-se para agradar, atendendo a todos com igual paciência e natural carinho. Sim, natural carinho, sem mascaradas sofisticações ou fingimentos. Era pura bondade até mesmo nas horas dos banhos da criançada, muita vez regados a esguichos de água fria, numa farra adoidada. Tudo para encaixar-se na complementação de um dia de folias e passeios alegremente desfrutados nas dobras das liberdades da pequena comunidade interiorana, a nunca tão assaz louvada Torrinha. E o marido da Biga, o cunhado, também paciente, sem nunca demonstrar a mais leve manifestação de desagrado pela invasão de seus espaços com a agitação própria de bandos de sobrinhos ávidos de novidades e de liberdade.
As lembranças de agora costumam trazer-nos, e a mim particularmente, uma espécie esgarçada de perdida felicidade e saudade de coisas que se foram, como as implicâncias de meu velho pai, viúvo, morando com eles (Alcyr e Biga) na mesma casa; as rabugices de um então octogenário que não podia alcançar as inovações, até mesmo os atrevimentos da molecada em um tempo tão diferente do dele.
Toma a benção do avô, dizia, exigente, apegado a velhos hábitos familiares de se pedir a benção aos pais, aos avós, aos tios, beijando-lhes a mão, em reverencial respeito.
E, assim, vão naufragando conosco, que por enquanto aqui ficamos, os momentos e os objetos que nos cercavam, os entes queridos que se vão, o banheiro desarrumado, as toalhas de banho molhadas, jogadas pelas camas, na displicência própria da agitação distraída da criançada em permanente estado de incontrolável euforia. É isso tudo e muito mais que sobra desse misterioso relacionamento familiar que ressurge na lembrança, como no rever um filme que a memória fixou e que a morte da pessoa amada traz à tona. Verdadeiros destroços de um passado tão distante e tão de agora como que povoando um sonho que persiste, mesmo depois do despertar.
Tito Costa é advogado, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex- deputado federal constituinte de 1988. E-mail: antoniotitocosta@uol.com.br