Machado de Assis era um gênio literário. Como todo gênio, tinha suas peculiaridades. Era muito recatado. Discreto. Não se expandia, sequer com o grupo minúsculo de seus íntimos. Todavia, à medida em que crescia a sua fama, surgiam pessoas que queriam mostrar familiaridade. Esse é um tipo atemporal, que existe em todas as épocas. Aproxima-se de quem possui qualquer parcela de poder ou autoridade. Afasta-se, assim que o cargo foi provido por outro.
Encontrava-se Machado em seu gabinete de trabalho, na Diretoria de Contabilidade do Ministério da Viação, quando o contínuo diz que alguém deseja falar com ele. Como era de praxe, o alto funcionário não gostava de ser interrompido quando em elaboração de algum parecer ou estudo de um processo. A resposta foi a de costume: – Diga-lhe que no momento estou muito ocupado e que não posso recebê-lo.
Eis senão quando, a porta do gabinete se abriu pelo visitante, que de imediato se aproximou, rosto aberto e risonho. Muito à vontade, o vozeirão exagerado e cordial:
– Com licença, Machadinho.
Aproximou-se:
– Não se lembra de mim, Machadinho? Fui seu velho camarada, nos bons tempos em que você era sacristão da Lampadosa!
Essa era a senha para que o romancista se irritasse. Não gostava de ser lembrado da fase difícil em que iniciara a luta pela sobrevivência, em situação humilde que superara e, para ele, era folha dobrada.
Com ar sombrio, retraiu-se ao abraço festivo que tentava envolvê-lo. Manteve-se inerte, enquanto o importuno continuava a recordar fatos dessa época e insistia no “Machadinho”.
Finalmente, conseguiu livrar-se dessa visita incômoda. Voltou para a sua mesa com expressão de aborrecimento e enfado. E pronunciava, baixinho: – Machadinho? Por acaso eu o conheço? Ainda hoje, o número e a desenvoltura dos que se aproximam, sempre à procura de obter um benefício, dizendo-se amigos de longa data, é um fenômeno bem brasileiro. Em nações com elevado grau de civilidade isso não acontece.
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