José Renato Nalini Opinião

Memória de amnésia

Com esta denominação, inaugura-se no Arquivo Histórico de São Paulo, à Praça Coronel Fernando Prestes, 152, Luz, uma exposição insólita: os monumentos órfãos da capital. São estátuas, partes de grandes grupos que foram desfeitos e esculturas relegadas ao esquecimento.
Não é preciso enfatizar que São Paulo não tem apreço por seu patrimônio. Quem frequenta o centro e ainda tem olhos para enxergar, não pode se conformar com a pichação da Sé, da Faculdade do Largo de São Francisco e de todas as outras edificações que em país civilizado mereceriam respeito e ade-quado tratamento.
Não é de se estranhar, portanto, que peças elaboradas para ornamentar locais públicos tenham sido destruídas, vandalizadas e retiradas de seus pedestais. Quantas outras, além destas dezesseis esculturas cuja mostra abriga até o dia 25 de fevereiro de 2016, não desapareceram por negligência do Poder Público, em seguida à ausência de um mínimo de educação por parte do povo?
A proposta da historiadora e professora da FAU-USP Giselle Beiguelman é mostrar como anda a memória paulistana. O que levou tais peças ao desterro e, depois, ao ostracismo?
O monumento a Federico Garcia Lorca, morto na Guerra Civil espanhola aos 38 anos em 1936, foi alvo de atentado e praticamente destruído. Recuperado por Flávio de Carvalho, causou polêmicas na Bienal e, sequestrada por alunos da ECA, finalmente retornou à Praça das Guianas.
“O Beijo”, hoje diante da maltratada Escola de Direito do Largo de São Francisco, foi esculpido para integrar um grande monumento em homenagem a Olavo Bilac. Em São Paulo, com a sua tradicional falta de consenso, nem as estátuas ficam em sossego. Assim é que se elaborou até mesmo uma “saga” da estatuária paulistana, com categorias estabelecidas pela pesquisa da mostra. Há estátuas banidas, monumentos considerados como atentado ideológico ou ao pudor e retirado dos logradouros públicos, as clonadas, que são cópias de outras mas expostas como originais, as engradadas, pois cercadas por grades, as invisíveis, escondidas atrás da vegetação e as enclausuradas que, confeccionadas para exibição em público, hoje estão em espaços privados.
A propósito, São Paulo já teve o seu “Jardim dos Escritores”, no Largo do Arouche, defronte à Academia Paulista de Letras. Ali eram entronizados bustos de intelectuais para marcar o espaço da literatura. O Governador Geraldo Alckmin, quando Prefeito de Pindamonhangaba, veio inaugurar o busto de outro pindamonhangabense ilustre, José Augusto César Salgado, autor do Decálogo do Promotor Público e que também integrou a APL.
Hoje, o Jardim está abandonado. Bustos desapareceram. Até mesmo os blocos de granito que serviam de suporte foram arrancados. Triste sorte de uma cidade mal amada, que tem de gastar mais de um bilhão por ano apenas para recolher o lixo produzido por seus habitantes.
Tudo isso explica a lamentável situação da República imersa em desalento, descrença e desânimo, com uma educação capenga e que só tem servido para alimentar personalismos e servir de palanque aos ambiciosos. Triste sina a desta Terra de Santa Cruz.