Editorial

O centenário da Semana de 22

A Semana de Arte Moderna de 1922 completou, nessa semana, cem anos. O evento aconteceu de 13 a 17 de fevereiro no Theatro Municipal de São Paulo, em 1922, com a mobilização de artistas como Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Victor Brecheret, Oswald e Mário de Andrade, dentre outros.
O objetivo era mostrar a arte brasileira que estava sendo produzida e expressa a partir de diferentes linguagens. No festival foram realizadas exposições, apresentações de literatura e música, que propunham o rompimento com a arte acadêmica e a independência cultural brasileira. Apesar das primeiras manifestações modernistas terem surgido em São Paulo na década de 1910, foi apenas a partir de 1922 que o movimento ganhou visibilidade no país.
O evento foi um marco para a classe artística e intelectual do Brasil que já vinha se articulando para uma nova forma de pensar e fazer arte. A Semana de 1922 representava uma tentativa da elite pensante em estabelecer uma nova identidade para o Brasil, com a valorização dos símbolos da cultura nacional, rompendo com a forte influência da cultura européia, tão dominante na época.
Em 1922, também era celebrado o centenário da Independência do Brasil, proclamada em 1822. A Semana de 22 nasceu no contexto da República Velha, controlada pelas oligarquias cafeeiras e pela política do ‘café com leite’.
A Semana representou uma nova maneira de enxergar o mundo, fora do classicismo, do tradicionalismo, sob uma nova ótica, rompendo barreiras. Oswald foi considerado como um dos mais rebeldes e inovadores do grupo de artistas. Foi o autor do “Manifesto da Poesia Pau-Brasil” e do “Manifesto Antropófago”, além do livro “Pau-Brasil”, a primeira obra de poesias que se distanciava do romantismo.
Anita se destacou por suas pinturas. Fez sua primeira exposição individual de pintura, em 1914, seguida por outra, em 1917, e assim, contribuiu para a arte moderna no País. Sofreu duras críticas de Monteiro Lobato, mas permaneceu pintando, com influências pós-impressionistas trazidas da Europa. Já Tarsila, junto a Anita, formou a linha de frente na pintura modernista brasileira. Seu quadro mais famoso é Abaporu, de 1928, que significa “homem que come carne humana”. A obra inaugurou o movimento antropofágico (de “digerir” e incorporar outras culturas) no Brasil.
Na literatura, o poema “Os Sapos”, de Manuel Bandeira, foi extremamente vaiado pelo público por criticar a estética parnasianista. Já o livro de poemas “A Cinza das Horas”, marcado pelo tom fúnebre, em virtude da doença do autor, foi considerado um dos principais antecedentes da Semana de 22.
Cem anos depois, pouco ou quase nada sobrou da efervescência cultural da época. Atualmente, romper padrões estéticos culturais virou sinônimo de afrontamento. O objetivo não é chocar, como pode ter ocorrido na Semana de 22, é constranger toda e qualquer pessoa que tem pensamento diferente da maioria e incitar o ódio. Muito se fala em direitos e mais espaço para a diversidade, minorias, mulheres, mas, de fato, as produções culturais com esses temas são rasas de conteúdo e de propósito. Com tamanha fraqueza intelectual, o Brasil ainda patinará no rinque da ignorância, por muitos anos, cantando letras com conteúdo vulgar, lendo fakes news em redes sociais e apreciando conteúdo de baixa extração, com produções sem qualquer relevo ou saliência cultural.