Editorial

O descaso político com a população

O Plenário do Senado aprovou, com 50 votos a 24, o projeto que altera a forma de contagem do prazo de inelegibilidade da Lei da Ficha Limpa (PLP 192/2023), um símbolo do combate à corrupção eleitoral no Brasil, que completou 15 anos no último mês de junho. O texto aprovado unifica em oito anos o prazo de inelegibilidade para os políticos impedidos de se candidatar. O projeto, relatado pelo senador Weverton (PDT-MA), foi aprovado pela Câmara em 2023 e, desde então, seus defensores tentavam pautá-lo no Senado. Agora, ele segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Atualmente, os oito anos começam a contar após o fim do mandato, o que pode estender o prazo para mais de 15 anos. A lei vigente estabelece que o político declarado inelegível não pode disputar eleições realizadas durante o mandato em curso nem nos oito anos seguintes ao fim de sua legislatura (de até quatro ou oito anos). Também não podem se candidatar até o trânsito em julgado da condenação. O argumento dos parlamentares é de que, na prática, isso faz com que os afastamentos durem mais de oito anos.
Já o projeto aprovado antecipa o início da contagem para a condenação ou a renúncia e unifica em oito anos o período de inelegibilidade, com limite de 12 anos em caso de múltiplas condenações.
O prazo de inelegibilidade de oito anos passará a ser contado a partir de uma das seguintes datas: da decisão que decretar a perda do mandato; da eleição na qual ocorreu prática abusiva; da condenação por órgão colegiado e da renúncia ao cargo eletivo.
O projeto, que representa um verdadeiro retrocesso na política brasileira, é criticado por organizações pró-transparência e anticorrupção, que dizem que o conteúdo ataca a Lei da Ficha Limpa e que foi aprovado sem conivência popular.
O senador Weverton (PDT-MA), relator do projeto, acatou emendas ao texto, que impedem que a antecipação possa ser usada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Porém, a antecipação poderia beneficiar políticos como o ex-deputado Eduardo Cunha, pai da autora do projeto, Dani Cunha (União-RJ).
Como se isso não bastasse, nessa mesma semana, aconteceu outro caso, em São Paulo. Vereadores aprovaram, na quarta (3), projeto de lei que desincorpora do poder público ao menos 12 ruas na Capital. O texto segue para sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O texto é de autoria da gestão da gestão Nunes, foi provado em primeira votação no fim de junho, e previa, originalmente, a venda de uma pequena travessa no Jardins, bairro na zona oeste de São Paulo, mas, agora, foram incluídas mais sete emendas de endereços públicos, totalizando 12 endereços, sendo que uma das emendas incluí duas vias.
Entre os endereços estão: a travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior, que liga a alameda Lorena a uma vila residencial, demolida para dar lugar a um empreendimento imobiliário de alto padrão. Outro trecho está localizado na avenida Faria Lima, no Itaim Bibi. Trata-se de um terreno de 140 m², entre a Av. Presidente Juscelino Kubitschek e a rua Leopoldo Couto Magalhães Júnior, em frente ao “prédio da baleia”. Também há na rua OIga Lopes Mendonça, na Vila Leopoldina; nas ruas América Central e Aurora Dias de Carvalho, em Santo Amaro e na Vila Olímpia, respectivamente.
Esses casos totalmente distintos têm algo em comum. O descaso dos políticos com as pessoas que os elegeram. A Lei da Ficha Limpa é uma conquista do brasileiro, nasceu de uma mobilização inédita da sociedade civil, que reuniu mais de 1,5 milhão de assinaturas em todos os estados e no Distrito Federal, e, que agora, por interesse de grupos políticos perderá sua força e importância, caso sancionada.
Já as ruas, que fazem parte do patrimônio público de uma cidade, são consideradas bens de uso comum da população. Patrimônio, que pertence a toda a coletividade, sendo destinada ao uso livre e irrestrito pela população e, por isso, devem ser mantidas e preservadas pela administração municipal e não serem vendidas para a iniciativa privada. Onde vamos parar?

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