
Era 1963, eu tinha 9 anos, adorava música e gostava de cantar. Eis que numa tarde chega em casa uma vizinha adolescente, amiga da minha irmã, com um lindo violão verde, provavelmente da marca Del Vecchio, novinho, que acabara de ganhar. Sentou-se no sofá, tocou e cantou duas músicas encantadoras: “Seria bem melhor”, que os mais vividos conhecem como “Tchibum” e “Quem é? (“que lhe cobre de beijos…”). Fiquei ma-ra-vi-lha-da!
Ela contou que começara a aprender violão com a amiga, Ana Maria, mas havia um amigo que também tocava bem e ia dar algumas dicas. De pronto eu perguntei a ela: “Se eu ganhar um violão no Natal, você me ensina a tocar? ”Ela respondeu que sim, dizendo que me ensinaria o que ela soubesse. Trato feito!
Não perdi tempo. No jantar, expus o meu pedido de Natal aos meus pais, que concordaram com o presente, e me orientaram a perguntar sobre o valor das aulas.
O tempo demorou a passar, eu calculo que foram uns 3 meses de espera, onde eu ia curtindo cada música nova que ela aprendia e me sentia muito animada em imaginar que chegaria o dia em que eu também tocaria.
Chegou o Natal: 25 de dezembro de 1963! Ao pé da árvore estava o meu sonho: um violão Giannini azul, com cheirinho de madeira nova, cordas de aço, como eu havia escolhido. Comecei a explorar a sonoridade. Não sabia nada.
Lá pelas 11 horas da manhã, minha futura professora de violão apareceu. Afinou o violão e, de presente de Natal, ensinou-me a primeira canção: “Lenda da Conchinha” que a Celly Campello cantava. Era simples, com apenas 2 “posições” como se falava à época e o acompanhamento fácil. Creio que não preciso dizer que ensaiei o dia inteiro e que a pontinha dos dedos estava quase ferida ao final do dia, mas a felicidade era maior que a dor.
No dia 26 de dezembro ela me orientou a ir ao Bazar XV comprar um encordoamento de nylon, mais inofensivo para os dedos e com uma sonoridade menos aguda. Assim foi feito, ela trocou as cordas e passava para afinar o violão, enquanto eu ia ensaiando a primeira canção.
Chegou o Ano Novo: 1964! Em janeiro começaram as aulas, com a Célia Cruz, na Rua Municipal, no Centro de São Bernardo. Sem dúvida, um talento único e especial, que tive o privilégio de conviver quando ela iniciava o percurso musical, que a tornaria grande cantora e intérprete singular, num futuro próximo.
Foi um tempo em que eu me dediquei, me inspirei e entendi os níveis de qualidade da música popular brasileira, apesar da pouca idade. Passei por ritmos diversos, compositores variados e aprendi sobre os melhores: do samba – canção à bossa nova, das ternas valsinhas às românticas canções italianas. E chegou um tempo em que ela disse que eu tinha aprendido o que ela sabia, que ela pretendia ter aulas com renomados professores em São Paulo e me ensinaria.
Segui tocando violão, tirando novas músicas “de ouvido”. Outros alunos vieram, Célia aperfeiçoou-se, deixou legados e audições inesquecíveis com seus alunos, no auditório do Colégio São José, no teatro no Cacilda Becker e até no programa Cidade contra Cidade do Sílvio Santos, tornando-se, mais tarde uma grande intérprete, entre as melhores do país e conhecida também internacionalmente, que agora brilha lá no céu como estrela de primeira grandeza, cujo brilho vai sendo ampliado na imensidão do Universo.
Não tenho mais o violão azul, que, com o tempo, sofreu desgastes e foi substituído, porém, jamais esquecido, pois a alegria que ele me proporcionou permanece, ao longo de mais de 60 anos, mantendo o gosto, e o encantamento do Natal de 1963, quando ele entrou para me surpreender, acompanhar e me aproximar da música e de muitos afetos para sempre.
Célia Guiesser – integrante da AME (Associação dos Amigos da Memória de São Bernardo).
















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