Editorial

O uso da tornozeleira eletrônica

A conjuntura que levou o ex-presidente Jair Bolsonaro à prisão preventiva, no sábado (22), chamou a atenção para um equipamento que, nos últimos 15 anos, foi amplamente utilizado como medida cautelar e se tornou fundamental na Justiça brasileira: a tornozeleira eletrônica. Bolsonaro a utilizava desde o dia 18 de julho, por determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), quando tentou violá-la com um ferro de soldar.
O Brasil tem quase 1 milhão de pessoas em cumprimento de pena. Dessas, 122 mil estão em prisão domiciliar com uso de monitoramento eletrônico, número que só cresce a cada ano. Em 2016, há quase uma década, eram 6 mil, segundo mostram dados do Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen).
A criação do conceito de monitoramento remoto, que resultaria na invenção da tornozeleira eletrônica, surgiu com os gêmeos Ralph e Robert Schwitzgebel, estudantes de psicologia da Universidade de Harvard em meados dos anos 1960. Os dois criaram protótipos com sobras de equipamento militar e chegaram a patentear a ideia.
O objetivo era auxiliar no monitoramento de jovens infratores, para incentivá-los a comparecer a locais determinados no horário, em uma forma de reforço positivo. Os participantes que seguissem o programa eram recompensados. Utilizando equipamentos militares antigos, os gêmeos criaram um sistema no qual os infratores usariam dispositivos de rádio que comunicavam onde estavam. Mas, o projeto logo foi extinto por falta de fundos.
No final da década de 1970, o juiz Jack Love encomenda o desenvolvimento de um aparato eletrônico de monitoramento para aplicação de penas da justiça criminal no estado do Novo México. Na ocasião, Love disse que uma das inspirações para a criação do equipamento veio de uma das histórias em quadrinhos do Homem-Aranha em que o super-herói, obrigado por um vilão, usa um bracelete capaz de indicar sua localização em tempo real.
Assim, a partir de 1983, um protótipo foi desenvolvido em parceria com um engenheiro e o juiz Jack passou a aplicar o monitoramento remoto na sentença de condenados de baixa periculosidade em prisão domiciliar ou em liberdade condicional. Em poucos anos, a tecnologia se espalhou pelos Estados Unidos: saltou de 2,3 mil monitorados em 1988 para 95 mil em 1998. O uso da tornozeleira eletrônica também foi adotado por diversos países e se consolidou como alternativa penal moderna.
No Brasil, o uso do equipamento só passou a ser previsto em lei em 2010, com a sanção pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, da Lei nº 12.258, que alterou a Lei de Execução Penal. O uso mais frequente do equipamento envolve prisão domiciliar, mas a tornozeleira também pode ser aplicada caso uma prisão não tenha vagas ou no caso de juiz determinar monitoramento durante saídas temporárias.
A lista de políticos que tiveram de usar o dispositivo, porém, vai além do ex-presidente e inclui ex-governadores, ex-prefeitos e ex-congressistas, tais como o ex-presidente Fernando Collor; o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha, os ex-governadores do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão, Rosinha Garotinho; o ex-presidente do PT e ex-ministro da Casa Civil, José Dirceu; o ex-prefeito de São Paulo, Paulo Maluf; o ex-presidente do PTB e ex-deputado federal, Roberto Jefferson; o ex-ministro da Casa Civil e ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci; ex-deputado federal Daniel Silveira e o ex-ministro Geddel Vieira Lima, entre outros.
Apesar da seriedade e gravidade do tema, na última semana, as redes sociais foram tomadas por memes e publicações ironizando a tentativa do ex-presidente de abrir o equipamento com um ferro de soldar.

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