Mônica Inglez Opinião

O valor dos dados infantis

As redes sociais se consolidaram como uma das maiores forças de atração e consumo atualmente. Entre seus públicos, as crianças representam uma parcela significativa e altamente valiosa. Plataformas digitais utilizam recursos de design persuasivo – notificações constantes, vídeos curtos em sequência infinita, elementos coloridos e algoritmos que reforçam o interesse do usuário – para capturar e manter a atenção infantil. O objetivo é simples: quanto mais tempo conectado, mais dados são coletados, e, consequentemente, maior o lucro da empresa.
Esses dados não são informações banais, eles são compostos por preferências, padrões de consumo, localização, interesses e até comportamento emocional. Para as empresas de tecnologia, os dados têm valor mercadológico incomensurável, pois alimentam sistemas de publicidade segmentada que movimentam bilhões de dólares anualmente. A lógica é direta: mais usuários, mais dados; mais dados, mais poder de prever comportamentos e vender espaços publicitários direcionados.
Quando esse público é formado por crianças, a discussão se torna ainda mais sensível. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) estabelece que a criança deve ser objeto de proteção integral, reconhecendo sua vulnerabilidade e o dever do Estado, da família e da sociedade em assegurar-lhe direitos fundamentais. A utilização de técnicas sofisticadas para prender a atenção e coletar informações de menores de idade colide frontalmente com esse regime protetivo.
Por sua vez, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também traz disposições claras sobre o tema. O artigo 14 determina que o tratamento de dados pessoais de crianças deve ser realizado em seu melhor interesse, com consentimento específico e em destaque de pelo menos um dos pais ou responsável legal. Na prática, entretanto, a coleta se dá de maneira difusa e pouco transparente, por ve-zes mascarada em políticas extensas e de difícil compreensão. Isso coloca os responsáveis diante de uma escolha quase impossível: ou autorizam a utilização da rede social, ou privam a criança de participar de um espaço hoje central para socialização e cultura.
O confronto entre a LGPD e o ECA mostra que ainda falta colocar essas leis em prática de forma mais efetiva. Apesar de ambas garantirem proteção especial às crianças, as grandes plataformas digitais muitas vezes ignoram esses limites e priorizam o lucro em vez do bem-estar infantil. Para mudar esse cenário, é fundamental que o Estado regulamente de forma mais firme, que os órgãos de fiscalização atuem de maneira constante e que os pais estejam atentos e conscientes sobre os riscos.
É urgente debater o equilíbrio entre inovação tecnológica e proteção dos mais vulneráveis. Enquanto a exploração da atenção e dos dados de crianças continuar a ser um motor de crescimento das redes sociais, caberá ao Direito – por meio da LGPD, do ECA e da atuação da sociedade civil – garantir que esse lucro não se construa às custas da infância.

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