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Os pobres e o juiz

Neste  momento da vida brasileira quando a Justiça, especialmente (e infelizmente), brotando do Supremo Tribunal Federal, vem causando preocupação  à sociedade em geral, uma luz se abriu, tímida, isolada, já distante no tempo, mas trazendo-nos leve esperança na atuação de alguns juízes, ou mesmo, tribunais.
Aconteceu há alguns anos em Palmas, Tocantins.   O fato foi registrado e divulgado pela Escola Nacional de Magistratura. Dois cidadãos foram presos em flagrante por suposto furto de duas melancias. Presos, o Promotor, com sua fúria habitual, requereu ao Juiz fossem ambos mantidos encarcerados. O Juiz negou-lhe o pedido com esta decisão:
“Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o principio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões aos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional) … Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa desta presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz. Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia… Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra – e aí, cadê a Justiça nesse mundo? Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade. Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir. Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser escolha o motivo. Expeçam-se os alvarás. Intimem-se”.
Rafael Gonçalves de Paula – Juiz de Direito. –  3ª Vara Criminal  da Comarca de Palmas -TO –  Processo nº  124/03.
Tal decisão (irrepreensível!) foi divulgada em 25/11/2011 e chegou-me às mãos por um folheto que me mandou o advogado e amigo Diego Locateli de Melo Ferreira, de Torrinha.  Guardo-a com carinho, como verdadeira lição de justiça e, sobretudo, de formação humana de caráter, de firmeza e de coragem desse Juiz singular.