Opinião

Périplos de um colaborador em busca da colocação

Estou disponível no mercado. Essa frase soa um tanto comercial pro meu gosto, mas se pensarmos que o dinheiro é a força motriz que move o mundo, então porque não comparar uma pessoa desempregada tal uma fruta (colaborador em potencial) que está à disposição numa feira a fim de ser escolhida pela dona de casa (empresa recrutadora em potencial)? Se o termo ‘desempregado’ é pejorativo no ponto de vista corporativo e o termo ‘disponível no mercado’ te iguala a um objeto que qualquer um vai lá e ‘compra’, então porque não dizer ‘estudante’?
Bem… No meu caso, sequer, no momento, estudo. Porém, fiquemos com o termo disponível mesmo que denota conhecimento, instrução, sabedoria, orientação, habilidades acadêmicas e educação – características de uma pessoa que, atualmente, não trabalha e que as empresas consideram um pecado deixá-lo ‘disponível’ (depende da empresa, claro). Possuo competências como atendente de salão em restaurantes e instrutor de idiomas, entre outras, de modo que tenho procurado restaurantes onde estrangeiros frequentam a fim de usar meu inglês, aliás, fluente. Eis que no início da semana, segunda feira fui a um lugar onde o gerente disse que gostou de mim, a entrevista não durou 15 minutos, ele falou: -Como você está nessa semana pra começar amanhã? -Tenho um serviço de freelancer na terça e na quarta. –Não tem como você cancelar? –O de amanhã, terça feira até dá, mas o de quarta não.
Fato é que na frente dele liguei para tentar cancelar o freelancer a fim de que eu fosse contratado naquele momento, porém ninguém atendeu. O gestor, então, disse: –Deixa, eu ou ver o que posso fazer, e te dou uma ligada até o fim da tarde. De maneira que ele não ligou. Ao cair da noite atendo outra ligação em que me disseram que eu deveria estar presente para uma entrevista às 10h20 da terça feira na Alameda Lorena, capital. Logo liguei para minha esposa e perguntei se a babá poderia ficar com as crianças pela manhã, já que eu estaria ausente. Ainda bem que ela podia.
Acordei às 7h30, fui de bicicleta até o centro, peguei o trem, transferi para o metrô, desci na estação Brigadeiro e cheguei meia hora antes. Entrevista feita e a conclusão da profissional de RH foi o clichê de sempre: -Ok, muito obrigado por ter vindo, qualquer coisa a gente te liga. Eu já fui a tantas entrevistas que aprendi a me comportar nelas, de modo que eu não acho que vou mal nessas dinâmicas, porém saí de lá sem muitas esperanças, cheguei à minha casa na hora do almoço, cozinhei um frango ao molho chutney, limpei a casa, paguei algumas contas, fui à academia do prédio e esperei as crianças chegarem às 18h. Enquanto eu preparava o jantar, uma ligação:
 –Olá Guilherme, boa noite, você poderia estar aqui amanhã (quarta feira última) na rua Hermes Fontes em Pinheiros para uma segunda entrevista com a nossa Chef e o dono do restaurante? Ou seja, concluí que eu havia passado na primeira. Sim, porque as perguntas são sempre as mesmas: Conte-me um pouco sobre você, qual a sua trajetória, como entrou para esse ramo? Por que eu devo te contratar? O quê você espera da empresa? Por que você e não essa fila de gente que está lá fora? Dê-me três pontos negativos e três positivos seus. Onde você quer estar em curto-médio-longo prazo? – não há segredos, é uma coisa matemática, se você responde honestamente sempre a mesma coisa em todas as mesmas perguntas, você se sairá bem em todas elas. Porém o meu problema é sempre o mesmo:
Eu moro em Santo André. Os restaurantes que contratam ficam em São Paulo. O expediente em todos encerram-se após meia noite, horário que não há mais condução para retornar ao ABC – eu já recusei uma porção de empregos por causa disso. Mas dessa vez, eu disse a eles que minha esposa me liberaria o carro para eu ir trabalhar. Não me ligaram de volta dando o aval positivo que eu esperava. Talvez ainda o farão. Ou não! Fato é que pelo valor que eles pagam para um garçom nesse bistrô dos Jardins em São Paulo, eu estou pouco a me importar como chegarei lá ou como voltarei de lá. Se for o caso, vou correndo, de bicicleta, a pé… Dou um jeito, já que o salário é tão tentador que mudaria a vida de qualquer mortal, mesmo a ter que permanecer mais de doze horas fora de casa.
Estou desde o dia quatro de abril disponível, ocasião em que Pedro Henrique meu filho mais velho fez nove anos. A última parcela do seguro desemprego já peguei e não há planos para o mês próximo. Tenho 37 anos, ótima experiência, e já não aceito qualquer coisa, pois devo ser exigente. Mês de junho será derradeiro, ainda que eu cogite mudar de área.

“O que você tem de diferente é o que você tem de mais bonito” – autor desconhecido