01/12/12
Dois poetas da tumultuada região do Oriente Médio encontraram-se em São Paulo em novembro passado: Ronny Someck, judeu que vive em Israel morando em Tel Aviv; e Khalid Al-Maaly, filho de beduínos, nascido no deserto do Iraque. Ambos vivem naquela área em conflitos político-belicosos permanentes entre Israel e parte do mundo árabe, especialmente a Palestina. Em São Paulo, encantados com a cidade e com a paz em que vivem os brasileiros, admiradores da nossa música, fizeram palestras na USP e conversaram com jornalistas falando do mundo que habitam, no desassossego das incertezas, mas com a renovada esperança de uma possível paz sempre esperada e sempre adiada.
Diz um deles que a guerra é uma espécie de sobrevivência. Somos obrigados a fazer a guerra, mas não compartilhamos dela. Reclama o outro que a guerra é também uma forma de sobreviver, assim como a a paz. Todos os dias fazemos uma coisa e a outra. Um dia temos a paz, mas vem logo alguém e faz a guerra.
De volta às suas casas, desanimado, escreveu Someck que retornava da alegria do samba para o som da sirene vermelha, advertindo sobre o perigo iminente. Al-Maaly mandou-nos este recado: como poeta, prefiro não comentar o exercício de barbárie no Oriente Médio. E nos deixou este poema que fala mais do que qualquer discurso: “Sou da terra de Guilgamesh,/minha vida é imperfeita, e meu nome na terra está enterrado:/não tenho mão com que acenar, nem língua ou boca com que falar/Caminho com todos os meus pesos,/Lamento as cidades antigas/e as canções cujas pontas se prenderam em galhos secos;/o vento gelado é minha casa/ e tudo o que detenho das ruínas do mundo são estas lembranças”.
Ronny Someck manifesta assim sua tristeza: “Por aquelas ruas bombardeadas empurravam meu carrinho de bebê/ O que ficou desse tempo escureceu muito,/ como Bagdá,/ e como o carrinho de bebê que tiraram do abrigo antiaéreo nos dias de espera anterior a outra guerra./ Oh, Tigres, oh Eufrates, mimosas cobrinhas no primeiro mapa da minha vida,/ como trocaram de pele e se tornaram víboras.”
Triste conclusão: nem mesmo a poesia tem conseguido o milagre de transformar em paz essa atmosfera de horrores e de incertezas.
Tito Costa é advogado, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e ex-deputado federal constituinte de 1988. E-mail: antoniotitocosta@uol.com.br