Opinião

Quarta feira de sol

Aí eu fui colocar o Nintendo Wi para funcionar e, por algum motivo, os controles não se manifestaram. “Será que os 4 consoles estão com pouca pilha?” falei pras crianças. Enfim, não saí convencido do mau funcionamento das baterias, pois da última vez que jogamos elas funcionaram perfeitamente, leve-se em consideração que a última vez foi há um ano ou mais – bem, pode ter sido as pilhas mesmo! Na tela da Tv as horas marcavam 11h40. Desliguei o video game e esquentei o almoço das crianças, eles vestiram o uniforme e eu estava à espera de minha esposa, pois precisava do carro para levar os pequenos à escola. Enquanto eu a aguardava, realizei que as horas no meu celular pontuavam 10h30. ‘Não pode ser, isso está errado!’ Pensei. “Lorenzo!”, chamei o filho que estava mais próximo. “Vai ver que horas são agora, por favor,” pedi enquanto me trocava. “10h40, pai”. “Dez e quarenta?” Quis eu confirmar. “Sim!”, “Dez e quarenta, mesmo!?” “Sim pai, é… Por que?” “Porque vocês almoçaram há uma hora atrás, e está muito cedo, a mamãe não vai chegar agora!” e a Lara perguntou: “então por que a gente almoçou cedo, pai?” “Porque o relógio do video game estava errado.” Então descemos para a sala de Tv do condomínio, e eu aproveitei e fiz academia no pavimento térreo. Às 13h levei os três à escola sob tal sol escaldante que faz qualquer paulistano ter dor de cotovelo de quem mora no litoral.
Deixei o carro estacionado numa rua do centro de Santo André e caminhei até a Receita Federal a fim de colher informações sobre IR. Nesse ínterim, entrei em contato com um amigo e reavi o que havíamos combinado na semana anterior “iaí, está onde?” Escrevi. “Em casa”. “Topa uma breja? tô de carro, passo aí”. “Daqui quanto tempo?” “Em meia hora chego”. “Pode vir, esse calor está implorando por cerveja bem gelada mesmo.”
Ele entrou a bordo e levei o carro para um banho. Como minha esposa tinha um vale-ducha que já estava a criar raízes no console do carro, parei no posto: “olá! está lavando?” “Sim, pode deixar o carro aí do lado, só tem mais esse aqui que eu estou lavando, e um na sua frente” “Mas eu vou deixar aqui? É passagem.”. “Fica tranquilo”, afirmou o lavador de carros. Meu amigo desceu do carro, eu também, fechei as janelas, bati a porta e, tão logo atravessei a rua para ir a um mercado, um senhor de cabelos grisalhos, 70 anos vem em minha direção: “Ei, você não pode deixar o carro ali, não.” “Por que não?” “Está fechando passagem.” “Mas o cara falou que era pra deixar ali”. Voltei pro carro e ele continuou. “E como eu vou sair, se você está fechando a passagem?” Fato era que existia um espaço considerável para sair com qualquer automóvel, na condição de se fazer uma manobra que não exigia prática quiçá habilidade, mas como ele era um senhor, convalesci-me e afastei-o do local. Foi até bom eu ter voltado para o carro, já que desta vez deixei a chave no contato, caso o lavador precisasse manobrar o veículo.
Acompanhado de meu amigo, entramos no mercado, levei 15 minutos pras compras e 20 na fila, quando eu ia passar o primeiro produto, um senhor na minha frente fala: “Ei, aqui você não pode passar suas compras!” Eu achei que estava sendo perseguido por uma legião de aposentados. “Por que não?” “É preferencial!”. A bem da verdade era que eu estava tão concentrado no assunto com meu colega que nem eu nem ele percebemos que, durante 20 minutos, não so estávamos na fila dos idosos, como havia meia dúzia de cabeças brancas à nossa volta, e um deles manifestou grande vontade de não ser simpático: “Aqui não só é preferencial, como você não pode passar suas compras mesmo, olha a placa aí em cima de aviso.” Nós sequer havíamos visto e fomos para outra fila sem discutir. Eu estava de folga mesmo! E estava mais preocupado com meu carro em que deixei a chave na mão de um desconhecido, estacionado na calçada, sujeito à multa, sem seguro a tapar passagens em potencial.
Estamos, pois, na fila dos ’10 volumes’. Eu já morei fora em algumas ocasiões e me dá a impressão que em nenhum lugar do mundo se consegue fazer tantas amizades quanto numa fila aqui no Brasil. E eu pego tanta fila nessa vida que qualquer dia vou escrever um livro intitulado ‘Na Fila’, onde haverá relatos e comentários de pessoas que esperam, seja no banco, no hospital, no mercado, na receita federal, na escola, na crehe, ou loja – até restaurante do ‘um real’ vale. Ôh gente que gosta de uma fila! Vê fila já quer entrar, acha que é promoção, e ainda pergunta: ‘essa fila é do que mesmo?’ ‘não sei, eu vi e entrei pra saber’.
Três caixas funcionando num mercado também é um absurdo né, e, para tirar proveito, o bom é conversar mesmo, ao que uma moça meia-idade desacredita: “O quê? Você esperou 20 minutos até ser atendido e na hora de pagar cedeu lugar e saiu da fila?” “Pois é… era só pra idosos” e ela me foi categórica: “Mesmo assim eu não saía”. cinco segundo depois desse diálogo, um senhor baixinho, cabelos brancos saiu lá da fila preferencial só para ter comigo: “Obrigado, viu”. Sem saber o que era, minha reação foi óbvia: “De nada, senhor!” e percebi que ele era o idoso que estava logo atrás de mim lá na fila preferencial, ele continua: “Muito obrigado mesmo, o que você fez por mim ninguém faria”. tal frase apenas veio a confirmar o que a moça acabara de me falar, ao que o senhor conclui: “Não é todo mundo que sairia da fila para dar lugar pra gente, obrigado tenha uma boa tarde” Essa conversa se deu a uns dez metros de distância, pois como ele já estava a sair e eu permanecia na fila, o diálogo atravessou o mercado todo. Fui embora de lá com a sensação de ter feito amigos e inimigos numa ensolarada tarde de quarta feira. No posto, meu carro já havia tomado banho e estava quase seco, o moço me entregou a chave e era 15h quando saí.
Fui num bar onde meu amigo sabia que estava aberto. Às 18h falei pra ele: “Vamos buscar minha esposa lá na loja, pois ela encerra às 18h30”. Mas ela apareceu às 19h, o perueiro da EMEI deixou as crianças na loja onde ela trabalha e continuamos a aproveitar da noite quente que apenas começava. Fomos todos passear na praça da avenida Lino Jardim. Amigo meu é palmeirense e estava vibrando com o jogo contra o Internacional. As crianças comeram um açaí e quando a partida encerrou, fui embora. Logo começaria São Paulo x Vasco. Nem vi meu time vencer por 3 x 0, pois durmi cedo. A realidade bateu à minha porta quando às 6h da manhã eu estava dentro de um trem lo-ta-do rumo ao trabalho.

“A vida é um milhão de novos começos movido pelo desafio sempre novo de viver e fazer todo sonho brilhar”. – ditado maoísta.