Opinião

“Situação das contas públicas é crítica”

“Se nada fosse feito hoje, a relação entre a dívida pública e o PIB facilmente superaria 80% do PIB” – disse o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, ao falar na segunda (23), no Fórum Veja, em São Paulo. Para ele “a situação é crítica e sua solução é prioritária para o País”.
A seguir, trechos de sua palestra:
“Este governo só tem sete dias úteis, embora pareça que já tenha meses. Em primeiro lugar temos que fazer o diagnóstico. Isso é fundamental. É o ponto de partida. O Brasil vive uma queda de confiança. O problema do País decorre de uma tese em que se criou uma dúvida, uma incerteza e, basicamente, uma desconfiança sobre a sustentabilidade do Estado a médio e longo prazo. Em outras palavras, isso gerou uma queda de confiança. A expansão dos gastos públicos afetou a economia, gerou inflação e desemprego. Em consequência, baixaram os investimentos e os níveis de empréstimos e crédito. Assim, entramos nesse círculo mar abaixo, levando a uma queda da arrecadação tributária, que agravou a questão fiscal.
Há muitos problemas a serem enfrentados, como a questão da inflação, do crescimento e da produtividade. Mas o foco agora, o trabalho inicial, consiste no diagnóstico. Em seguida temos que passar ao equacionamento dessa série de problemas. Em conversa com jornalistas na semana passada, eles me pediam duas mensagens: a primeira, nos dê o tamanho do déficit; e a segunda, este governo não pode errar. E temos que fazer tudo rapidez e com segurança.
A questão fiscal. De 1991 a 2015, o gasto primário do governo federal passou de 11% para 19% do PIB, embora o crescimento anual médio nesse período foi de 0,3% do PIB. Entre outras consequências, houve o crescimento exponencial dos gastos financeiros e, mais recentemente, um aumento do risco de insolvência, com taxas de riscos voltando a subir. Se analisarmos apenas o período 2008-2015, a receita total anual cresceu 14,5% em termos reais, enquanto a despesa total cresceu 51%. Nesse período, praticamente todos os componentes de despesas aumentaram, mas, em especial, subsídios e subvenções. E esse crescimento não ocorreu por culpa os programas sociais, que cresceram, sim, mas os subsídios e subvenções explodiram, pois, em termos nominais, eles cresceram a uma taxa de expansão total superior a 900%. Com isso, no último ano, o déficit nominal do setor público alcançou 9% do PIB.
Há, é claro, desequilíbrios estruturais que explicam tudo isso. Alguns deles remontam a 1988, decorrentes da promulgação de nossa Constituição. Entretanto, os números mostram claramente a esses desequilíbrios estruturais se somaram, particularmente nos últimos anos, impactos fiscais negativos decorrentes de erros de diagnóstico e da implementação de políticas que se revelaram equivocadas.
De fato, houve nos anos recentes uma expansão sem precedente dos gastos públicos, notadamente com o envolvimento e concomitante com outros fatores desorganizadores da economia, como controle de preços, controle de tarifas, liberando preços e tarifas, concessão de privilégios e outros. Ainda assim, é de se supor que a ideia subjacente a essa estratégia foi a de aumentar o crescimento e controlar a inflação, mesmo com resultados negativos. A realidade mostrou, porém, que o resultado foi recessão, aumento do desemprego, inflação, taxa de juros reais em ascensão, queda da confiança, recuo dos investimentos e muitas outras coisas.
Como subproduto desse quadro, as receitas públicas e tributárias caíram revelando todo esse cenário de deterioração das contas públicas. Em resumo, as contas públicas passaram a emitir sinais inequívocos de insustentabilidade;
Na última sexta-feira (20), depois de um trabalho duríssimo, pudemos anunciar o déficit primário de R$ 170,5 bilhões para este ano – e ainda não nos foi possível estimar o déficit do próximo ano. Isso é resultado de cuidadoso realismo fiscal. É claro que há pontos de incerteza, desde a evolução da arrecadação, até coisas como os efeitos da lei de regularização (repatriação) de capitais, quanto de fato vai entrar, qual será a arrecadação disso, a questão das dívidas dos Estados e outras coisas, como restos a pagar.
Mas tudo foi feito com o máximo de rigor possível no tocante aos números disponíveis e ao cenário atual. Esse número – R$ 170 bilhões – é o mais realista e mais próximo da realidade como uma plataforma mais sólida que nos permite tomar decisões e dar uma visão muito clara para a sociedade brasileira de onde estamos, de que a situação é séria e grave. É claro que existe um grande potencial neste país como temos mencionado, mas não podemos perder de vista que a situação é crítica e sua solução é prioritária para o País.
Uma dívida pública
 superior a 80% do PIB?
Temos sempre que pensar no que seria este País se nada fosse feito. Sabem o que aconteceria? A dívida pública brasileira facilmente superaria 80% do PIB – aproximando-se do dobro da média da dívida dos países emergentes, que é de 44%.
A situação da dívida pública chegou a tal que podemos chegar ao descumprimento da chamada regra de ouro, que veda a emissão de moeda além do necessário exigido para rolar a dívida – ou seja a proibição de emissão de moeda para pagar as despesas correntes.
Desequilíbrio fiscal, nunca mais. Essa é a nova regra de ouro que precisamos estabelecer, de verdade, nas finanças públicas. É isso que temos que afirmar a todo o País. Nossa dívida pública no patamar de 66% do PIB é incompatível com nossa condição de país emergente, praticadas em mercados domésticos e mercados internacionais, com as taxas de risco que ainda temos.
O que deveria ou que será feito
Diante de nosso déficit fiscal precisamos olhar para o caminho que foi seguido em décadas passadas e como foi enfrentado o problema do crescimento da dívida pública. Em geral, crises fiscais foram equacionadas por meio de uma combinação de um aumento permanente da carga tributária com uma contenção temporária de despesas discricionárias, com destaque para a redução dos vencimentos públicos (salários de funcionários).
Hoje essa receita não mais se aplica. Em primeiro lugar porque os aumentos permanentes de impostos levarão a carga tributária a um patamar que introduz ineficiências nos reajustes econômicos e limitam fortemente o crescimento, distorcem a alocação de capital, criam ou inibem a tendência à poupança. São, em resumo, altamente indutores de menor crescimento.
Qualquer tentativa de equilibrar as contas públicas só via contenção de despesas discricionários, haja vista que a contenção de gastos em despesas obrigatórias – diga-se de passagem quase sempre em benefício de setores que não merecem nem precisam ser apoiados pelo setor público. O que eu quero dizer é que existe, sim, muita coisa a ser feita com respeito às despesas discricionárias, mas, numa nova direção, já que não podemos aplicar o caminho do passado.
É isso que estamos fazendo e vamos continuar a fazer. Depois desse primeiro passo, dado de forma transparente e realista, para dar à sociedade a noção do tamanho do desafio. Foi o que fizemos nessa primeira semana.”