Editorial

Só agora as bets viraram um problema

O governo e o Congresso parecem ter percebido, só agora, o risco elevado à saúde pública e à vida financeira dos brasileiros com a proliferação dos sites de apostas, conhecidos como “bets”.
m janeiro último, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que trata das apostas de quota fixa e regula o conhecido “mercado de bets”. A lei estabelece critérios sobre tributação, normas para a exploração desse serviço, define a distribuição da receita arrecadada, fixa sanções, entre outros. Abrange apostas virtuais, físicas, eventos esportivos reais, jogos on-line e eventos virtuais de jogos on-line. A lei impõe 15% de Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre o lucro líquido dos prêmios. Do total arrecadado com as apostas de quota fixa, 12% serão destinados a diversas áreas.
Nos sete meses iniciais de 2024, de janeiro a julho, 25 milhões de pessoas passaram a fazer apostas esportivas em plataformas eletrônicas, uma média de 3,5 milhões por mês. Este intervalo de tempo é maior do que o que o coronavírus levou para contagiar o mesmo número de pessoas no Brasil, ou seja 11 meses, entre 26 de fevereiro de 2020 e 28 de janeiro de 2021. A maior parte dos apostadores (86%) ficam endividados.
Com a regulamentação das bets, outras modalidades também se popularizaram. Os jogos ‘do Tigrinho’ e ‘do Aviãozinho’ causaram diversas polêmicas e são ilegais no País. Porém, enquanto que as bets são enquadradas no mesmo segmento das loterias, jogos semelhantes ao do Tigre são considerados de azar, categoria proibida no Brasil, seguindo a lógica dos caça-níqueis e dos cassinos.
Levantamento feito pelo banco Itaú mostrou que os brasileiros perderam R$ 23,9 bilhões em apostas esportivas, entre junho de 2023 e junho deste ano, com impacto, principalmente, sobre a população mais pobre. Segundo o estudo, as bets movimentaram no total cerca de R$ 68,2 bilhões no país no período. Já pesquisa da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo, mostrou que 63% dos entrevistados tiveram parte da renda principal comprometida pelas apostas, sendo que 23% deixaram de comprar roupas, 19% de fazer compras em supermercados e 11% deixaram de pagar contas.
omo se isso tudo não bastasse, de acordo com estudo realizado a partir de solicitação do Senador Omar José Abdel Aziz (PSD-AM), pelo Banco Central, em agosto, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família enviaram R$ 3 bilhões via Pix a plataformas de apostas. Foram identificadas 56 empresas que somaram, em agosto, R$ 20,8 bilhões de transferências recebidas.
Essa situação caótica fez o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, qualificar como “pandemia” a “dependência psicológica” que as bets criaram nos apostadores.
Ainda que o mercado esteja regulamentado no Brasil, inclusive gerando os impostos, e o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenha defendido a regulação de jogos de azar no Brasil, o país não pode fechar os olhos para o alerta unânime dos especialistas que apostas podem gerar vício e dependência e que o vício em jogos de azar é comparado à dependência química, como a de álcool e drogas, pois ambos liberam dopamina, um hormônio do prazer.
Além disso, ninguém, ainda, parece muito preocupado com a hipótese de que as bets sejam usadas para levar dinheiro do crime organizado. Portanto, é preciso duras restrições e punições para fiscalização e proteção da saúde dos apostadores. O Brasil já tem problemas demais para ganhar mais um.

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