Opinião

Todos irmãos

Num gesto muito significativo, o Papa Francisco esteve em Assis, cidade de São Francisco, no mês passado, ali assinou sua nova encíclica “Fratelli Tutti” (Todos Irmãos). O tema desta encíclica é a fraternidade e a amizade social. Ele quer destacar o convite a um amor que ultrapassa as barreiras de geografia e espaço, como diz na introdução. Afirma que não pretende resumir a doutrina sobre o amor fraterno, mas detêm-se na dimensão universal do amor, na abertura a todos, para criar um mundo sem fronteiras e barreiras.
Devido à situação sanitária, a visita não teve a participação de fiéis. O Papa Francisco fala sobre a inspiração que teve para escrever a encíclica com as seguintes palavras: “Este Santo do amor fraterno, da simplicidade e da alegria, que me inspirou a escrever a encíclica ‘Laudato si’, volta a inspirar-me para dedicar esta nova encíclica à fraternidade e à amizade social. Com efeito, São Francisco, que se sentia irmão do sol, do mar e do vento, sentia-se ainda mais unido aos que eram da sua própria carne. Semeou paz por toda a parte e andou junto dos pobres, abandonados, doentes, descartados, dos últimos” (FT 2).
No início da encíclica o Papa faz um panorama de nossa sociedade onde predomina o conflito, medo, solidão, exploração, globalização sem solidariedade, a informação sem sabedoria e a economia baseada na ganância do lucro, que produz cada vez mais pessoas excluídas e descartadas. Conclui: “O individualismo não nos torna mais livres, mais iguais, mais irmãos” (FT 105).
O centro da encíclica Fratelli Tutti, no segundo capítulo,  é a reflexão sobre a parábola do bom samaritano que encontramos no Evangelho de São Lucas (10, 25-36). Um homem foi assaltado e deixado ferido à beira do caminho. Passaram três pessoas, as duas primeiras, indiferentes, só olharam e continuaram o caminho, a terceira acudiu e cuidou do ferido. As palavras de Cristo para o mestre da lei que perguntou: quem é meu próximo, são voltadas para nós: Com qual dos três homens que passaram pela estrada você se identifica? Com qual desses personagens você se parece? Enfrentamos uma escolha fundamental. Aqui, todas as nossas distinções, rótulos e máscaras caem, fica somente o que é o verdadeiro amor, capaz de servir em especial os mais fracos, caídos nas periferias existenciais. Vamos nos curvar para tocar e curar as feridas dos outros?
Jesus caminha entre nós como fazia na Galileia, atravessa nossas ruas, para e nos olha nos olhos, sem pressa. Seu chamado é atraente, fascinante, porém, a ansiedade e velocidade de tantos estímulos que nos sacodem de um lado para o outro, muitas vezes, impossibilitam aquele silêncio interior que abre os nossos ouvidos para escutar o Senhor que nos chama a sermos “todos irmãos”, a sonhar uma sociedade nova baseada na fraternidade, uma “civilização do amor universal”.
Isto não é sonho, utopia, fantasia, é necessidade, não só porque é o projeto de Deus para a humanidade, mas porque se não fizermos assim nossa existência está ameaçada. A fraternidade social deve promover a justiça. Todo ser humano tem direito de viver com dignidade. Diz o Papa: “Quando não se salvaguarda este princípio elementar, não há futuro para a fraternidade nem para a sobrevivência da humanidade” (FT 107).
O questionamento que vem desta encíclica pede escuta atenta da realidade e resposta segura. Para isso, o silêncio interior é fundamental. A resposta que o Senhor nos pede se dá preferencialmente no diálogo que estabelecemos com Ele, na oração, na meditação de sua Palavra. Na análise honesta sobre que tipo de sociedade estamos construindo.
Aquilo que São João da Cruz diz a respeito de cada um de nós: “No entardecer da vida seremos julgados pelo amor”, vale para toda a humanidade. Cada geração será julgada pelo amor que for capaz de acreditar, promover e viver em forma de solidariedade estendida a todos. Fora isso, teremos o silêncio das ruínas de civilizações que viveram somente a ganância econômica e a luta pelo poder.
Vale o alerta do Papa Francisco sobre a fraternidade e a amizade social. Uma palavra de lucidez que brota da fé em Jesus Cristo, em meio a um mundo carente de lideranças.