Editorial

Vítimas do despreparo

As fortes chuvas atingiram 27 municípios em São Paulo, deixaram mais de 1,5 mil famílias desabrigadas e causaram 31 mortes, sendo oito crianças entre as vítimas, segundo a Defesa Civil.
A chuva é um fenômeno natural, mas é preciso se atentar ao fato de as cidades que foram mais atingidas por deslizamentos tiveram um “boom” habitacional. A ocupação desenfreada em áreas consideradas de risco, aumenta a possibilidade de ocorrer deslizamentos e inundações. Muitas das vítimas desses municípios atingidos viviam em encostas de morros e margens de rios e córregos, ficando sujeitas a sofrer com deslizamentos e enchentes.
O “boom habitacional” se acentuou a partir dos anos 1990. As construções frágeis em relevo de morros, somada a falta de políticas públicas eficientes de moradia e urbanização são a combinação perfeita para que ocorram tragédias. Pelo menos 120 pessoas morreram em decorrência das chuvas entre 2016 e 2022 na Grande São Paulo, segundo levantamento realizado pela TV Globo.
De acordo com dados da Fundação Seade, Francisco Morato e Mairiporã, por exemplo, registraram aumento de mais de 100% nas suas populações entre 1990 e 2020. O boom populacional nessas cidades é bem superior ao crescimento da capital paulista, que atingiu alta de 29% no mesmo período, e da região metropolitana como um todo, que cresceu 40%.
Com falta de moradias adequadas e sem poder arcar com o alto custo das áreas centrais das cidades, a classe de baixa renda, de maneira informal e sem regulação, acaba ocupando áreas periféricas, em encostas de morros, margens de rios e córregos, fundo de vales e aterros sanitários, com terreno frágil, sem planejamento urbano ou acompanhamento técnico.
O problema é nacional e conhecido há décadas por todos os brasileiros e governantes, mas o descaso das administrações públicas, em todas as esferas de governo, faz, anualmente, o País perder centenas de vidas, vítimas do despreparo para lidar com as chuvas de verão e deslizamentos e enchentes.
No ABC, a situação não é diferente. Ações integradas, por parte do Consórcio Intermunicipal, são ineficientes. Em 2018, o Consórcio chegou a lançar o aplicativo gratuito “Alerta ABC”, para monitorar as condições climáticas da região, registrar e divulgar ocorrências como alagamentos e deslizamentos. O app foi retirado do ar pouco tempo depois.
Na última semana, Santo André foi classificada como o município que possui mais imóveis em áreas de alto e muito alto risco para inundação, deslizamento, solapamento de margens fluviais, entre outros, segundo dados compilados pelo jornal O Estado de S.Paulo, com base no Mapeamento de Riscos de Movimentos de Massa e Inundações. São 17,5 mil imóveis apenas em Santo André; 15,1 mil em São Bernardo; 10,4 mil em Mauá.
Políticas de longo prazo são ainda mais raras e, a incapacidade dos gestores públicos em frear a ocupação irregular em áreas de risco é tamanha que não há mapeamento e nem um plano exequível de remoção das pessoas que vivem sob ameaça de vida constante a cada temporal ou chuva mais intensa. Prefeitos e governadores agem pontualmente, a cada nova tragédia. Porém, é necessário agir de forma coordenada e integrada para evitar que centenas de vidas sejam vítimas do despreparo e da falta de políticas públicas eficientes.