Opinião

Vivendo de Verdade

Há quem diga que a década de 80 foi a melhor – pra quem era adolescente, claro. A gente se arriscava muito, mas não morremos e estamos aqui para contar.
Nossos berços eram feitos com tintas tóxicas, de modo que a altura da grade era convidativa para dar umas escapadas vez em quando; mais tarde, quando aprendemos a andar de bicicleta, o capacete era dispensável, as cotoveleiras e joelheiras também– nem vendia essas coisas… Eu preferiria surfar sobre elevadores segurando-me em seus cabas de aços, a que passar mertiolate na canela depois de cair no duro cimento asfaltado enquanto um certo carrinho de rolimã ficava pra trás. Mercúrio também doía, mas isso nos salvava e, em instantes, estávamos prontos para outras quedas.
Air-bags não existiam e cintos de segurança não eram obrigatórios. Os quarentões de hoje que tinham 16 na época afanavam os carros dos pais e percorriam longas distâncias em possantes como Paraty, Saveiro, Gol Bola, Gol quadrado, Corsa Cupê e demais populares dos anos 80. A fim de mostrarem suas habilidades no volante, aventuravam-se madrugadas afora aos fins de semana, fumando cigarros de cravo e de menta escondidos dos pais, claro.
A palavra ‘porcaria’ não era sinônimo de coisa ruim, era junk-food, balas, chocolates e afins. Gordura trans? O que é isso? Colesterol? Nem pensar! Não engordávamos com facilidade, pois estávamos sempre andando de bike, skate, carrinhos de rolimã, pega-pega na rua, esconde–esconde… éramos ‘elétricos’, e não existia nada mais prazeroso que Atari – nem o mais ultra-tecnológico-mega-avançado dos vídeos games atuais era melhor que o Atari – e era preciso alugar fitas em locadoras de vídeo para jogar!
Não tínhamos celular, internet, home-theater, DVD, webcam – o que tornava a convivência com as pessoas mais humana. Televisão apenas alguns canais pegavam – o que tínhamos mesmo eram colegas e amigos os quais nos acompanhavam nas mais arriscadas atividades como subir em árvores, escalar muros, tocar a campainha do vizinho e sair correndo. Até criávamos brincadeiras como rodar o caderno no dedo e ficar passando um para o outro, sem deixá-lo cair.
Pipas, peões, bolinha de gude, futebol de botão, mão-na-mula e afins foram esquecidos por um troço que hoje as pessoas chamam de smartphone. Tivemos sorte de crescer como verdadeiras crianças, e esse é o desafio de um pai hoje: educá-los para viver na Verdade.