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O canto triste da Verônica nos passos da Paixão

Publicado em TITO COSTA
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Sexta-feira da Paixão é dia de máximo respeito por cristãos no mundo todo. Nas procissões do Senhor Morto, comparece a Verônica com seu canto triste a relembrar os sofrimentos de Jesus em sua caminhada para o Calvário. Nas ruas da cidade de Jerusalém há marcas para assinalar o roteiro seguido por Ele na sua marcha para a morte. E por aqui, nas celebrações da Sexta-feira Santa, nos diversos locais por onde passa o cortejo, a Verônica do alto de uma cadeira, ou de um caixote qualquer, desenrolando um pano onde está reproduzida a face sangrenta do Senhor, entoa este cântico: “O´ vós que passais pelos caminhos, olhai e vede se existe dor semelhante à minha dor”.

Nos meus tempos de menino, em Torrinha, minha mãe me levava a essa procissão onde a Verônica, sempre uma pessoa nossa conhecida, cantava a sua dor em latim. Era um latim macarrônico que ninguém entendia (mesmo se macarrônico não fosse, não era mesmo para entender), mas a gente se emocionava com a tristeza posta no tom de sua voz e com o sudário que ela ia desenrolando, lentamente, na medida em que entoava o seu lamento. O Sudário é um lenço de linho no qual estão impressos os traços sangrentos do rosto de Cristo. A palavra sudário vem do latim sudorem que quer dizer suor, pois a face divina estaria coberta de sangue misturado com suor quando a enxugaram com esse lenço.

Há um texto acadêmico interessante sobre o tema. O padre José Geraldo de Souza, salesiano, com doutorado em Roma pelo Instituto Pontifício de Música Sacra, pesquisador de nosso folclore, produziu curioso estudo sob o título: “O Plangente Canto da Verônica no Vale do Paraíba”. O estudo mostra os vários aspectos dessa tradição nas procissões de sexta-feira da Paixão, em diversas cidades da região do Vale. Detalhando o cântico, analisando a Verônica e, sobretudo lembrando aspectos do Sudário cujas reproduções têm sido feitas, ao longo dos tempos, por artistas famosos, diz o autor que podem ser admiradas em igrejas e museus e, claro, em reproduções singelas (como a de Torrinha) nas toalhas usadas nas nossas procissões. Referido estudo está inserido numa publicação especial de Revista editada pela Sociedade Brasileira de Musicologia (São Paulo-1998). Não há qualquer indicação sobre o endereço dessa Sociedade, nem da revista, nem mesmo informação detalhada sobre o autor desse trabalho.

Nosso poeta, o paulistano Oswald de Andrade, destaque da Semana de Arte de 1922, fixou a cena num poema denominado “Procissão do Enterro” com estes versos: “A Verônica estende os braços /e canta /o pálio parou/ Todos escutam/ A voz na noite/ Cheia de ladeiras acesas”.

O cristianismo e as figuras bíblicas têm inspirado poetas e artistas na literatura, na pintura, na escultura, ao longo dos tempos, especialmente em temas da paixão de Cristo.

Curiosidade: a Folha de S. Paulo, em sua seção Contraponto, edição de 09/03/1984 publicou esta nota: “Um amigo encontrou Frei Beto, o conhecido frade dominicano, comendo bife em dia de abstinência de carne, e perguntou: Mas, Beto, hoje é dia de sexta-feira da Quaresma e você comendo carne? – Minha transa com Deus é outra, respondeu o jovem monge”.

Sinal dos tempos, pois já no longínquo março de 1984, Frei Beto mostrava seu viés de modernidade no trato com as coisas sagradas.

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