Editorial

O uso da linguagem neutra

Voltou à tona o debate sobre a utilização da linguagem neutra, após a campanha do candidato a prefeito de São Paulo, Guilherme Boulos (Psol), ter removido o vídeo que continha um trecho do Hino Nacional cantado em linguagem neutra, durante um comício eleitoral, no sábado (24). O evento contou com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), de ministros e da candidata a vice, Marta Suplicy (PT).
O comício aconteceu no Campo Limpo, na Zona Sul de São Paulo. A cantora alterou o trecho do Hino Nacional, cantando “des filhes deste solo és mãe gentil” ao invés do original “dos filhos deste solo és mãe gentil” e “verás que um filhe teu não foge a luta”, no lugar de “verás que um filho teu não foge à luta”. O vídeo havia sido publicado na página do YouTube do candidato, mas foi deletado. Por meio de nota oficial, a campanha de Boulos afirmou que a execução do Hino Nacional com linguagem neutra não foi autorizada.
A linguagem neutra é o nome dado à comunicação oral ou escrita que aplica um gênero neutro em vez do feminino ou masculino. Oralmente, isso é feito, geralmente, substituindo os artigos masculino e feminino por um artigo neutro, que pode ser “e” ou “u”, a depender da palavra. Na escrita os artigos ainda podem ser substituídos por um “x”, “e” ou “@”. Assim, ele ou ela pode virar “elu”, amigo ou amiga pode virar “amigue”, todos ou todas pode ser “todes”, e assim por diante.
Esse tipo de comunicação é adotado com o objetivo de incluir membros da comunidade LGBTQIA+, como trans, pessoas não-binárias ou intersexo, que não se identificam como homem ou mulher, para que possam se sentir representados na sociedade.
O uso da linguagem neutra foge da norma padrão da língua portuguesa, na qual a função do pronome neutro no plural é feita pelo artigo masculino. Por exemplo, um grupo de pessoas composto por homens e mulheres, ainda que majoritariamente feminino, pode ser referido como “eles” ou “todos”. Em vestibulares ou concursos públicos também é exigido o uso da norma culta da língua, sem permitir o uso do gênero neutro.
A inclusão de membros da comunidade LGBTQIA+ já é feita e pode ser intensificada, caso ainda seja necessário, com políticas públicas, com ações e projetos de diversidade nas empresas privadas, mas o principal é o respeito ao próximo e a compreensão por suas diferenças.
O respeito é um valor humano fundamental para a vida em sociedade. É o sentimento que impede as pessoas de fazer ou dizer coisas desagradáveis a alguém, e está relacionado com ter um olhar de atenção e consideração por alguém, por algo ou com si próprio. Respeitar não significa concordar plenamente com outra pessoa, mas significa não discriminar, ofender ou impedir que uma pessoa realize suas próprias escolhas.
Contudo, não é por meio do uso neutro de uma linguagem que irá trazer o respeito à essa comunidade. Ações politicamente corretas têm ganhado um espaço além do que a sociedade estava acostumada ao longo das décadas, e não têm surtido tanto efeito na prática, apenas têm gerado inúmeras discussões e conflitos acerca dos seus limites.
A crescente conscientização sobre a diversidade e inclusão, com o reconhecimento da diversidade de identidades de gênero e a luta por direitos, não pode fazer com que quem não seja parte desta comunidade se sinta desrespeitado ou violado por querer permanecer utilizando a linguagem que lhes foi ensinada desde à alfabetização, realizada a partir dos 4 anos de idade. Principalmente, os idosos, que têm o direito de negar o uso da linguagem neutra, sem que isso seja visto com algo desrespeitoso.
Todas as formas de respeito e inclusão à comunidade LGBTQIA+ devem ser aprimoradas, mas a norma padrão da língua portuguesa deve e precisa continuar vigente na sociedade brasileira. Ainda que o STF (Supremo Tribunal Federal) ou determinadas vertentes políticas tenham remado contra.

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