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Carlão

Carlos de Oliveira, esse o seu nome. Para todos os efeitos, na roça e na cidade, na família e amigos, simplesmente, Carlão.
Trabalha na roça,  em chácara perto da cidade, assíduo e responsável  no cumprimento das tarefas diárias. Mora em casa que lhe garante, e também à sua família, o conforto natural, possível, desfrutável. Vários casamentos. Melhor, várias uniões para experiências novas, sem papel passado, facilitando as trocas, melhorando ou piorando o nem sempre doce oficio de viver a dois. Filhos, vários, de duas ou três das diversas companheiras de cama. E com os naturais problemas da convivência de uns com os irmãos vindos de outra mãe.
Gosta de animais. Tem um cachorro, fiel companheiro a segui-lo nas lidas do campo, inseparáveis no convívio possível.  E passarinhos, muitos, presos em gaiolas dos quais cuida com paternal carinho.  Gatos, não os quer, pelo temor do avanço do bichano em seus engaiolados, que estes são o seu maior bem-querer. Não os troca por nada.
Aconteceu que uma das companheiras, naturalmente enciumada, da qual se separara para viver com outra,  correu à justiça em busca da tal pensão alimentícia (que ele diz “alimentíssima” !). E o litígio ganhou sérios contornos nunca por ele imaginados, os advogados de cada um não chegando a ajustes desejados. E, com os naturais desacertos entre as partes litigantes e os seus patronos, a briga desandou e o pior aconteceu. Carlão, não tendo recursos necessários para atender às pretensões dela, instigada por sua advogada, acabou preso e levado à cadeia, em local distante dalí. Isolado, sem receber visitas, só de seu advogado, que pouco se empenhou em acudir  ao drama do encarcerado, suportou trinta dias de reclusão, longe da casa, do trabalho, da família, dos seus passarinhos.
Cumprido o tempo da prisão, chega o dia do retorno à casa e ele, naturalmente revoltado com a injustiça de que se considerou vítima,  questionava: não roubei, não matei ninguém, por que ficar trancafiado desse jeito como um criminoso, no meio de  bandidos perigosos ?
Então, veio o gesto que o fez nobre, na sua ingênua nobreza  de homem simples, sensível, curtindo ainda o sofrimento recente, da prisão dolorida e dolorosa: abriu as portas das gaiolas e soltou todos os seus queridos prisioneiros. Deu-lhes a alegria da liberdade de que fora privado nos sofridos trinta dias do humilhante e perverso cativeiro.