26 Apr 2024

Publicado em TITO COSTA
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Já se contam 70 anos para que a obra de Monteiro Lobato entre para o chamado “domínio público”. E ganham força as críticas sobre seus textos agora sujeitos a cortes que, por certo, irão desfigurar suas criações que encantaram gerações inteiras, como a minha  e tantos milhares de leitores ao longo da trajetória vitoriosa de seus  deliciosos escritos.
São tantos os ataques sofridos pelo nosso querido escritor taubateano acusado de preconceituoso por expressões contidas em seu livro Caçadas de Pedrinho e em outros de sua autoria. E que agora não terá como defender e justificar a razão de sua prosa.
No Sitio do Pica Pau Amarelo, criação sua, viviam a avô dona Benta, os netos Narizinho, Pedrinho, a boneca Emília e muitos outros. Na cozinha, a “negra beiçuda” Tia Anastácia, carinhosa para com as crianças e adorada por elas. Pois não é que o nosso Conselho Nacional de Educação, há tempos, atendendo a uma denúncia de funcionário público de Brásilia (certamente inspirado pelo ainda sobrevivo “esquerdismo” mais retrógrado) resolveu censurar o livro de Lobato acusado de divulgar preconceito contra os negros.
Em outro livro intitulado “Negrinha” (volume 3 de sua obra completa, Editora Brasiliense-SP) o conto narra estória de quem lhe dá o nome, escrita em 1923, sobre a vida de uma infeliz menina, nascida de escravos em fazenda de propriedade de uma senhora “muito virtuosa”, dona Inácia, fazendeira de “caridades”, amiga do padre vigário, que a saudava como “dama de grandes virtudes apostólicas, esteio da religião e da moral”. Mas eram só hipocrisias, pois a boa matrona maltratava a pobrezinha que com ela vivia,  com castigos severos e injustos, exatamente o avesso do que deveriam ser  suas propaladas virtudes. Para essa “exemplar” dama a Negrinha não passava de uma “Peste” e assim era por ela chamada, pois nem nome tinha. O choro da Negrinha incomodava a “bondosa” senhora que vinha logo com um “cala a boca, diabo”. Mas esse choro nunca vinha sem razão. Fome quase sempre, ou frio, ou sentimento de desprezo e de revolta que a pobre figurinha sem bem saber o que era certamente o que sentia desde o fundo da sua alma. O autor capricha nas tintas de sua estória, concluindo com a morte da Negrinha, “abandonada por todos, como um gato sem dono”. Depois, o enterro em vala comum: “a terra papou com indiferença aquela carnezinha de terceira – uma miséria, trinta quilos mal pesados”.
Eis aí o nosso Monteiro Lobato atento à miséria humana prática comum por senhoras caridosas e seu descaso para com os renegados pela sorte. Em vez de preconceituoso ele foi um valente denunciador desse mundo de escravos e de maldades dos brancos. Porque, queiramos ou não, ainda guardamos de nossa cultura escravagista resquícios de uns tempos de desigualdades que envergonham nossa História.
Não é sem razão que a Constituição de 1988 traz em seu texto, entre os objetivos fundamentais da República, promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, cor, sexo, idade ou quaisquer outras formas de discriminação. E mais: a prática do racismo é hoje considerada crime inafiançável e imprescritível. É uma reação natural contra essa herança malvada que se instalou em nós e ficou  encravada em nossos subconscientes. Mas temos ainda muito que caminhar a fim de extirpar, para sempre, de nossos costumes tão preconceituosa intolerância. E também temos de estar atentos às investidas que agora se desdobrarão para, tanto quanto possível, desfigurar os textos de Lobato, tirando-lhes a espontaneidade de um curioso observador da vida e dos costumes de um tempo de nossa História.  

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