Conversas de Memória

Cheiros, sons e sabores de nossa infância

Participantes do encontro de Conversas de Memória

Ao longo da vida, em suas múltiplas relações, os seres humanos vão construindo, criando, transformando o ambiente, os valores e conceitos. E, com isso, vão criando memórias.

São vários os suportes das memórias, isto é, objetos, construções, textos e manuscritos, desenhos, pinturas, fotos etc., que têm a potencialidade de contribuir para a construção e reconstrução das memórias de nossa trajetória.

Para além da materialidade, há os suportes imateriais e, dentre esses, os sensoriais: cheiros, sons e sabores.

Na França, para garantir o direito do galo Maurice de continuar a cantar nos horários de seu instinto animal, uma vez que estava provocando desavenças entre os que se incomodavam com seu canto e aqueles que queriam preservá-lo, uma lei foi promulgada garantindo a manutenção dos sons e cheiros dos campos como características dos espaços naturais.

No Brasil, desde 2009, o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) reconheceu como patrimônio cultural brasileiro o toque dos sinos de Minas Gerais. 

Dentro dessa perspectiva, e partindo do pressuposto que as memórias pessoais, afetivas, são elementos importantes na composição das memórias coletivas da cidade, “cheiros, sons e sabores de nossa infância” foi o tema do encontro de Conversas de Memória, ocorrido na quarta (30) de outubro, realizado pelo Centro de Memória, da Secretaria de Cultura e Juventude, da Prefeitura de São Bernardo, nas dependências da Biblioteca Pública Monteiro Lobato.  

Os cheiros e sabores de alimentos foram os mais lembrados, que transportam para um outro tempo, para a casa da mãe, da “nona” (avó): cheiro do molho de macarrão dos domingos, do frango sendo preparado desde as primeira horas, da polenta, da sopa de capeletti… Cheiros que trazem à lembrança o cuidado, o carinho das mães e “nonas” para com a família. 

Cheiro do pão da Padaria Brasil, da mortadela da mesma padaria, e a lembrança do padeiro sorridente, que dava pão ainda quente para os moleques atraídos pelo aroma que perfumava todo o quarteirão.

Cheiro do vinho, que emanava de bares, da massa de pizza sendo preparada, do manuseio do milho para fazer pamonha, da rabanada preparada não só na época de natal, da bolacha maria, do tomate plantado no quintal…

Provenientes dos amplos quintais de outrora, cheiros diversos: das roseiras, da cerca-viva, da hortelã, da arruda, da marcelinha (usada para fazer travesseiros).

Também lembrados, os cheiros de perfumes, do lança-perfume (dos carnavais), das salas de aula, do material escolar.

Não podiam ficar esquecidos, os cheiros das madeiras das fábricas de móveis, do verniz e, com a chegada das automobilísticas, das tintas automotivas; da terra molhada, numa cidade ainda pouco calçada, do cigarro de palha, que impregnava o ambiente…

Além de despertar saudades, há outros cheiros que evocam momentos não tão bons, como do chá de melissa, que era muito comum ser feito nas casas durante velórios…

Na cidade mais silenciosa, os sons eram facilmente identificados, como o som metálico do homem que consertava panelas, da matraca do vendedor de biju, da buzina na corneta do sorveteiro, da gaita do afiador de facas e tesouras, dos tamancos na Marechal, dos apitos das fábricas, dos sinos da igreja…

Finalizando, João de Deus apresentou vários instrumentos que produzem sons, hoje tão distantes de nossa vida cotidiana: o berrante, os pios (que reproduzem os sons dos cantos das aves), o sinoeiro (sino pendurado no pescoço do boi, de cabras), maracá, pau de chuva, afoxé…

Cheiros, sons e sabores, agitam e mexem com nossas memórias, são partes de nossa vida. Nas palavras de Roseana Murray, no poema “Caixa”, lido por Eliene:

“Carregamos pela vida afora

os cheiros dos encontros raros,

dos acontecimentos,

da nossa primeira casa,

do quintal, se houve quintal,

da mãe na cozinha,

dos sonhos quando acordamos.

Se houvesse uma caixa

para guardá-los, seriam

nosso tesouro.”

Jorge Magyar

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